Luna era uma adolescente absolutamente incomum, fosse pela história de vida cheia de altos e baixos e mais baixos ainda ou por, até mesmo, seu nome: Luneta.
Que legal ter sido nomeada através de um objeto que olha para as estrelas! Na Europa, seria...
Segundas-feiras não eram dias católicos, dizia minha avó. A relação entre religião e os dias da semana jamais ficou clara para mim, porém, sempre que o dia chegava, a voz arrastada ecoava nos quatro cantos do meu crânio, assim como o negativismo que aquela frase trazia.
Esfreguei os olhos vermelhos com a ponta dos dedos, tentando focar, apesar da fumaça do cigarro, nas costas dos demais alunos naquela sala de aula tenebrosa. Os pontos de luz que escapavam das brechas entre as persianas das janelas se confundiam à claridade do projetor voltado para o quadro branco. Assistir "O Grande Ditador" de Chaplin pela terceira vez naquele ano causava uma reação em cadeia na qual todos prestavam atenção em tudo, menos nas cenas do filme.
Era comum que os estudantes fumassem dentro da sala e ninguém iria se opor, com medo de ter a testa perfurada por um tiro de revolver caseiro.
Mordisquei o elástico de cabelo no pulso para prender os fios escuros num longo rabo de cavalo. Precisava cortar imediatamente ou me usariam como modelo de mulher das cavernas nas aulas de história. Antes que conseguisse terminar a manobra com os braços, uma bolinha de papel me acertou o cenho em cheio. A curiosidade fez com que o penteado não obtivesse o fim previamente determinado, então, novamente, uma cascata de mechas pesou sobre as costas.
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"As calças do Sr. Vladmir estão tão apertadas que, daqui, parece que ele tem uma vagina!", estava escrito, seguido por uma carinha sorridente rabiscada com desleixo. Olhei para Cláudio, meu melhor amigo, sorrindo em cumplicidade àquele comentário, sem poder deixar de notar a veracidade contida naquelas palavras. De fato, na escuridão, não dava para encontrar as bolas do professor por dentro da calça.
A educação do subúrbio era um primor, não é mesmo? Não fosse o gigante pênis desenhado na carteira ou a trilha de gomas de mascar fedorentas agarradas em baixo da mesa, nem daria para notar a diferença para uma instituição cara.
Nada de novo sob o sol do Rio de Janeiro.
Um alarme estridente e desafinado anunciou a troca de classes, o que indicava mais uma longa hora de procrastinação no laboratório decrépito de ciências.
- Topa pular essa tortura comigo? – De supetão, as mãos alvas de Cláudio me apertaram os ombros. Um cigarro novinho repousava em seus lábios carnudos, esperando ansiosamente para ser aceso.
Brincalhona, enfiei a mão no bolso de trás de sua calça cargo marrom e surrupiei a carteira verde. Imediatamente, o aroma de menta invadiu minhas narinas. Esse era o cheiro que me remetia sempre à nossa amizade, uma vez que, desde os onze anos, Cláudio adquiriu um gosto peculiar pelos cigarros mentolados.
- Você não vai fumar todos esses, me arruma cinco! – Implorei, com o melhor sorriso que consegui forçar.
- Cinco? Isso é um dia inteiro que fico sem fumar.
- Três! – O beicinho aumentou.
- E o que você vai fazer quando eu estiver no banho e der vontade de fumar, mas não tiver mais cigarro? Vai comprar outra carteira pra mim? – Sua sobrancelha bagunçada subiu alguns milímetros, uma habilidade que eu invejava.
- Tá, dois! Por favorzinho, zinho, zinho! – A voz de bebê era minha cartada final. Ele girou os olhos, vencido, e lançou minha mochila sobre o ombro.
- Ok, sua chata! Mas, vamos logo antes que a próxima turma entre e a gente fique preso em mais uma sessão de Chaplin.