Leve-me à igreja.

83 14 26
                                    


Take me to church

Rodei mais uma vez no brinquedo da pracinha, era um dia cinza. Sempre me perguntei o motivo de nos mudarmos para um local tão cinzento. A única cor que eu via em alguns períodos era o colorido dos brinquedos infantis que mesmo "crescido" eu insistia em brincar. Porém eu não sabia o que esperar do próximo local para o qual minha mãe me levaria.

Ainda não entendo. Foi somente um beijo. Para que tanta confusão? Não passamos de um beijo. Um beijo inocente. – Tiveram mais beijos, mas minha família não saberá sobre isso.

Segundo minha mãe, nos mudaríamos para o sul do Brasil. Decisão em que meu pai levou em conta que lá tem o emprego que pode lhe tirar das dívidas, um bom emprego para minha mãe e uma espécie de "comportamento rígido" com pessoas como eu.

Não sei explicar se estou triste. Se estou decepcionado. Ou se simplesmente esta situação estupidamente confusa e complexa, deixou-me verdadeiramente doente. É algo que me pergunto seguidas vezes. E enquanto interrogo à mim mesmo para tentar entender devidamente o que eu sou, crio mais dúvidas referentes ao Jimin. Como ele está reagindo à isto tudo?

Paro de girar no roda-roda. Fito o caminhão de mudanças se preenchendo cada vez mais com caixas pesadas lotadas de memórias. Me levantei com certo receio, caminhei até o caminhão. Abaixei a cabeça assim que vi minha mãe entre as caixas, algumas lágrimas escorriam por seu rosto enquanto a mesma continha um terço entre os dedos finos. Com um grande passo eu subi no caminhão, observei a morena olhar-me assustada.

–Por que não está ajudando seus tios a carregar o caminhão? – A voz embargada, os olhos levemente inchados e as olheiras profundas. Estava nítido o seu desgosto.

–Por que está chorando? – Embora eu imaginasse o motivo, perguntei para ter certeza.

–Como sempre, por sua causa. – De todas as respostas que eu podia lhe dar, lhe dei a mais fácil. O silêncio.

Saí do caminhão, encontrando diretamente um de meus familiares a carregar uma caixa enorme e visivelmente pesada. Meu tio sorriu para mim e me cutucou com o braço quando passou por mim. Meus pais realmente não contaram nada.

Adentrei a casa, meu pai estava sentado com meu primo, ambos com as pernas esticadas sobre as últimas duas caixas com itens da cozinha. Ainda haviam as caixas com os pertences de minha irmã. Os dois estavam a beber em uma latinha de cerveja "barata". Este foi o momento que tive certeza de que meu pai sabia atuar tanto quanto sabia bater. O maior lançou-me uma latinha e indicou que eu me sentasse ao lado de meu primo.

Logo uma conversa tomou início, algo sobre uma manifestação em uma das favelas de São Paulo que acabou em incêndio. Tive de me sentar junto à eles como forma de demonstrar educação, bebi um pouco da cerveja e tentei não prestar atenção no rumo que uma conversa sobre uma notícia terrível iria tomar. Até porquê as conversas entre meu pai, meu primo e meu tio – que parara com o trabalho e se juntara a nós – sempre levavam a mesma conclusão.

–Mas pô, pior que esse incêndio só a Parada Gay desse ano. – Eu nunca consegui entender como a minha família tinha a capacidade de sempre tocar nesse assunto. – A gente estava vindo pra cá, tivemos que mudar o caminho porque aqueles viados trancaram uma rua inteira. – Olhei rapidamente para meu primo, visava olhar para meu pai mas acabei notando algo diferente no garoto. Estava incomodado com o assunto.

–A Parada Gay é aonde esse ano? – Indaguei, esquecendo por breves segundos a presença de meu pai.

–Fique quieto enquanto seu tio falar, Kim. – O maior olhou-me bravo.

.take me to churchOnde histórias criam vida. Descubra agora