Ordene-me que eu me cure.

88 15 33
                                    

Command me be to well


Do balanço vermelho da praça que marcou minha infância, observei a mulher mais velha discutir rudemente com a mãe de Jimin. O pequeno me olhava da janela de sua cozinha, tinha a expressão cansada e triste. Gostaria de lhe dizer que tudo aquilo não deveria lhe deixar triste, mas minha mãe cortou todas as minhas meras chances de me comunicar com o rapaz. Atualmente a mulher ordenava para a senhora Park que a mesma parasse de frequentar a igreja com o filho gay.

Nesta noite de sábado seria a terceira missa que minha mãe me levaria para presenciar. Sempre dizendo-me que a fé me guiaria para o caminho certo. Com versículos citados, com conversas com padres, com hóstias – que segundo minha mãe eu não as mereço tomar – eu não consigo me esquecer do beijo dele. Admito que tenho tentado com todas as minhas forças esquecer o que acontecera no balanço. Porque depois das palavras, das agressões, do desgosto e da rejeição, eu entendo que gostar de outros homens é pecado.


Levítico 18:22 – "Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante".

1 Coríntios 6:9-11 – "Vocês não sabem que os perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros herdarão o Reino de Deus. Assim foram alguns de vocês. Mas vocês foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus".


Todas as palavras "santificadas por estarem presentes na bíblia" sumiam de minha mente quando, diante de meus olhos, Jimin aparecia. Sempre foi gentil. Sempre foi bom perante a Deus. Sempre conservou virtudes que nem meus pais cultivaram. É a melhor pessoa que conheço. Por que é errado eu querer alguém tão caridoso?

Eu disse que entendo que homossexualidade seja pecado. Mas não disse que compreendo o motivo. Não sei se realmente há um. Talvez seja apenas uma desculpa para encobrir o ódio. Ou, simplesmente Deus quer amor com algumas regras desagradáveis.

Nos dias sem falar com Jimin, percebi que meu olhar perdia vida. Nas noites com palavras severas de minha mãe, percebi que minhas expressões ficaram vazias. Nas noites em que meu pai demonstrava violência, percebi que meus sentimentos bons pela minha família se apagavam aos poucos. Hoje seria apenas mais uma noite em que eu teria de ir à igreja com minha mãe, escutar a palavra do Senhor que sempre pareceu tão bela, e voltar para casa totalmente em silêncio.

Minha mãe me proibiu de lhe dirigir a palavra. Não quer que palavras escapem de uma boca tão imoral aos seus olhos. O que me foi ordenado é para rezar todos os dias, pedir a cura para Deus, e ignorar Park Jimin.

A mulher alta caminhou até mim com a cabeça em pé, deu-me seu mais belo sorriso e indicou que eu devia a acompanhar até o final da rua, onde infelizmente havia uma igreja. Sem que minha mãe percebesse, fitei Jimin sentado nos degraus da escada de sua casa. Olhava-me. Possuía olheiras. Os lábios cortados. Nunca o tinha visto desse jeito. Meu coração se rompeu. Minha mente tomou um choque de realidade.

–Mãe, eu odeio você. – Caminhei mais depressa que a morena, adentrando a grande igreja antes de ouvir a voz de indignação da mesma.

Fiz a reverencia a Deus, decidi que sentaria afastado de minha mãe por motivos óbvios. A mais velha sentou-se no primeiro banco da fileira, eu me sentei na última fileira de bancos no último banco. O piano soou, devagar, pleno. Suspirei e li o folheto que uma das freiras entregou. Ao que tudo indica, essa missa seria a pior de todas. Iam citar um dos versículos mais...


Romanos 1:21-27 – "Porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis. Por isso Deus os entregou à impureza sexual, segundo os desejos pecaminosos do seu coração, para a degradação do seu corpo entre si. Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e seres criados, em lugar do Criador, que é bendito para sempre. Amém. Por causa disso Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras, contrárias à natureza. Da mesma forma, os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão".


–Sendo assim, tentem refletir sobre suas atuais ações. Sobre seus atuais desejos. Não deixem se dominar pela imoralidade.

Abaixei a cabeça e larguei minha mão sobre o banco, meus lábios tremeram junto aos meus olhos. O coração apertou. Não consigo acreditar que Deus vai me punir por gostar de alguém do mesmo sexo. Não consigo! Fechei os olhos com força, fiz força total para segurar as lágrimas, eu não acredito que a minha vida se tornou um inferno por causa de um beijo.

Me levantei do banco, fui em direção ao banheiro dentro do local. Apanhei meu celular para entender se alguém realmente acreditava que isso tudo é real. E pelo visto são muitas as pessoas que creem que a homossexualidade é um crime perante aos olhos do Senhor. Na verdade, a maioria dessas pessoas que defendem essa ideia não mencionam como homossexualidade, mas sim como homossexualismo.

Porque para essas pessoas, amar alguém do mesmo sexo é uma doença. O "ismo" representa a ideia de que a homossexualidade é uma doença, mental ou física. Os textões no facebook me confundiram um pouco. Alguns compartilham sua crença de que "tudo isso" é uma escolha. Acho que o texto de uma mulher de quarenta e cinco anos sobre "homossexualismo é uma escolha, portanto escolha o lado de Deus" foi o que mais me deixou perdido.

Sentei apoiado na parede fria do banheiro. Talvez eu não fosse gay. Eu só beijei o meu melhor amigo. O melhor amigo que eu sempre desejei estar comigo por toda a vida. Essa jornada terá mais complicações do que pensei.

–Namjoon... – Ergui a cabeça. O coração acelerou, a expressão vazia sumiu e meus olhos pararam com as ameaças de choro. – Me desculpe. – Jimin ficou cabisbaixo. – Eu não devia ter te beijado. – Me levantei em um pulo, dei somente dois passos para que conseguisse quebrar nossa pequena distância.

Segurei-o pelo pescoço com precisão, tomando seus lábios para mim e lhe demonstrando toda a minha saudade. O garoto correspondeu quase de imediato, colocando as mãos em meu pescoço e se erguendo pelos pés. Assim que tive a passagem da língua concedida, o prensei contra a porta do banheiro níveo.

O beijo dele era doce. Era gostoso. Era maravilhoso. Era o beijo pelo qual eu lutaria para ter todos os dias. Ele é alguém que eu lutaria para ter ao meu lado todos os dias, todas horas, todos os minutos, todos os segundos. Eu apenas o quero junto à mim. E vou tentar não desistir de lutar.

–Jiminie... Minha mãe vai me colocar em um terapeuta e... – Abri os olhos, visando diretamente suas orbes escuras e brilhantes. – Vamos nos mudar mês que vem.

...Eu só não sei se a vida vai permitir a minha luta.


Command me be to well

.take me to churchOnde histórias criam vida. Descubra agora