Destemido dentro dum sobretudo vermelho de botões dourados, fazia se valer da fama sorrateira sob seu tricórnio puído. Fama dada por quem não sentia nenhum apreço por ele. Era alto, forte e de rosto cadavérico, Alejandro Márquez, o capitão do La Concepción. Cônscio de sua notabilidade de pirata, fato que seu erário não deixava-lhe esconder. Assim mesmo deixara a rapina. Se tornando um corsário. Possuindo exclusivamente a missão de saquear navios ingleses; ou outros, desde que não fossem os espanhóis. Seus marujos navegavam havia muitos anos sob o seu comando. Eram declaradamente fiéis ao capitão. Tão somente não imaginavam que se dobraria às vontades duma realeza mesquinha e se tornaria um corsário. Perceberam, inclusive, que havia tempos o comandante estava digamos, diferente.
– Roubado!? – Antes que o marujo tivesse tempo de dar maiores explicações, o capitão o empurrou – Saia! – Desceu as escadas e atravessou os compartimentos em segundos. Vermelho por conta do calor do incêndio carregava na face um aspecto diabólico, com manchas de fuligem no rosto e nas roupas. Abrupto, abriu a porta de sua câmara, se dirigindo direto para trás de uma mesa.
– Não é possível, simplesmente não é possível!
Enquanto descia, foi seguido por alguns de seus tripulantes.
– Capitão? – Chamou-o um homem gordo e baixo, que usava uma camisa surrada, listrada na horizontal.
Quando ouviu a voz Alejandro pareceu sair de um trance. Permaneceu em silêncio por alguns instantes:
– Vocês! Foram vocês! – Avançou lentamente. Segurava sua espada – Vou matar um de cada vez se não me responderem onde estão os baús.
Os marujos apertados, próximo à porta, se olharam entre si. Caminharam para trás até não poder mais. A porta da câmara se abriu novamente e um homem de olhar altivo a atravessou. Prevendo uma possível desgraça Munhoz se pôs à frente.
– Fomos roubados – disse Alejandro a ele, sem perder os outros de vista.
– Stork!
– Tenente Munhoz! – Atendeu o marujo, prontamente.
– Convoque toda tripulação no convés.
Rapidamente bateram em retirada. Munhoz franziu o cenho. Apesar de o roubo ser muito sério, o capitão nunca perdia o controle.
– O que está acontecendo com você? – Questionou o tenente, quando ficaram sozinhos.
– Como queria que eu ficasse? O que queria que eu fizesse?
– Esses homens estão com você por toda uma vida, sempre foram de confiança.
– Maldito é o homem que confia no homem, não é o que dizem?
– De cabeça quente não resolveremos nada.
Alejandro analisou o tenente. – Você aparenta estar muito tranquilo.
Munhoz se irritou – Seu desgraçado, eu estava do seu lado o tempo todo! O que você deseja? Arranjar um culpado? Acusar o único que sabe da importância do que estava no baú?
O capitão subitamente se arrependeu. Pós as palmas das mãos sobre a mesa e baixou a cabeça.
– Me desculpe... Se eu perder a encomenda tudo acaba – proferiu, desconsolado.
– Nós vamos encontrá-la. Prometo arrancar as vísceras do vagabundo que o roubou.
***
O grupo fez um círculo em torno do bueiro. Lançaram cordas e juntos ajudaram os outros subir. Estavam molhados e cheiravam mal.
– Vamos sair daqui! Tapem o buraco e se misturem com a multidão! – ordenou.
Saíram disfarçadamente. Alguns pegaram o caminho perto da feira. Outros subiriam pelo lado do mosteiro. Naquele dia, voltaram revezando-se e ficando de sentinela, próximos ao bueiro. Fizeram isso durante três dias.
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O Rei das Docas
Historical FictionNo fim da Idade Média, um bando de garotos luta contra as injustiças e crueldades de um mundo inóspito, sombrio e inclemente. Num cenário repleto de piratas, nobres e religiosos inescrupulosos, bruxas e maldições, onde quem se descuidar é destinado...