Capítulo VII Rons

8 0 0
                                    

O bloco de trajes multicoloridos se arrastou pela estrada que descia a colina. Um reposteiro de carruagens, cavalos e cavaleiros. Aparatoso, o conclave seguiu pelo centro da cidade numa carreata estadeada e dura. O povo observava acuado, como que de canto de olho. As informações recebidas por Francisco se confirmaram. Os inquisidores chegavam ao município de Palos. O clero vinha escoltado por soldados da coroa, carregados de bandeiras e brasões. Os principais moradores da cidade, entre eles nobres e comerciantes, haviam recebido cartas avisando da chegada dos "homens santos", e a cidade já estava alerta.

O clero fora recebido no Mosteiro de La Rábida por seu curador o Frade Francisco. Instalaram-se e permaneceram alguns dias seguindo o cronograma de liturgia e oração do lugar. No restante do tempo se reuniam em salas que foram separadas especialmente para os visitantes. Tinham um olhar desconfiado a tudo e a todos. Representantes de baixa hierarquia dos recém chegados, deram inicio a uma irrupção pela cidade, trazendo informações a todo instante para os lideres que permaneciam no mosteiro. Os homens mantinham pouco contato com os sacerdotes de Palos, mesmo com Francisco eles limitavam as conversações.

Dias depois, foi dada a ordem a todos os moradores da cidade, através de comunicados colocados nas principais ruas e praças, a participarem de uma grande missa que celebraria a vida do Papa. A missa seria realizada na praça central da cidade e todos deveriam estar presentes. É natural que muitas pessoas não iriam acatar a esse apelo por conta dos muitos boatos que os acompanhavam. Os representantes da inquisição sabiam disso. Contudo, a intenção basicamente era persuadir e plantar o temor, para depois agir.

O marceneiro agachado sob o estrado era um aprendiz na verdade, o que o deixou ainda mais contente com o trabalho. Pregou o último prego na estrutura que ele e seu filho levaram três dias para terminar. Recebera adiantado e tomou todos os cuidados necessários para dar segurança aos religiosos. No dia da grande missa, as pessoas começaram a chegar uma após outra, postas à frente deste púlpito construído com tanto cuidado. Logo a praça ficara cheia de um povo receoso e estupidamente curioso. Um arauto vestido com uma roupa sacerdotal cor de vinho, abriu um pergaminho e, com um aceno de mão, pediu silêncio à multidão.

- É pela vontade do alto que os santos ministros trarão a palavra neste dia. Uma palavra livre de mácula para conforto dos corações dos fiéis. Aproveitem a oportunidade desta graça e livrem-se do pecado através do perdão concedido.

O homem passou a palavra para um bispo de aspecto nobre, que deu andamento à missa em latim. Após quase duas horas de tediosos rituais religiosos, o bispo fez o encerramento. O arauto, que parecia mais uma garrafa de vinho com pernas, após cumprimentar o bispo, passou a palavra para o Inquisidor Geral, cardeal João Cesário II.

O Cardeal era um homem alto e robusto, dono de um grande e pontudo nariz. Via-se que era totalmente grisalho por conta dos tufos de cabelo que saiam do solidéu. Usava sempre becas cor de creme e muitas joias e crucifixos de ouro cravejados com inúmeras pedras, algo incomum entre os jesuítas. Tinha uma vida dedicada à igreja e ao império, sendo de total confiança do rei. Havia estado em vários locais defendendo o reino contra a contaminação dos hereges e, sua fama corria à sua frente por toda a Península Ibérica. Muitas foram as condenações aplicadas por seu tribunal, que, aliás, deixava um rastro de sangue por onde passava. De dura cerviz e poucas palavras, não mostrava sentimentos em seu olhar gélido. Foi assim que começou seu discurso, com entonação austera, e vistas para o horizonte, evitando os cidadãos.

- Criaturas do Altíssimo, é com grande honra que, neste dia santo, venho vos falar da parte no nosso senhor e salvador e do nosso amado Papa que tanto zela por nossas vidas...

O Rei das DocasWhere stories live. Discover now