Famoso por ter abrigado Cristovão Colombo antes que seguisse para o Novo Mundo. O Santa Maria de La Rábida, era o mais importante retiro religioso de Palos de la Frontera. Dizia-se que Colombo usou da paz do lugar para elaborar seus projetos náuticos. De estilo gótico mudejar, com arcos de ogiva e teto abobadado, o mosteiro era um local de paz e orações.
Juan estava incomodado com as memórias do homem que esfaqueou. Era certo que aquele monstro merecia sua sentença, mas algo o inquietava. A imagem do homem perseguiu-o em seus sonhos. Seria ele agora um assassino como os que conhecia? Se pudesse, talvez não o fizesse de novo... Devia ter sido menos cruel com o sujeito. Sua mente o atormentava.
Saiu do esconderijo pela manhã sem comunicar aos outros. Atravessou as mesmas vielas solitárias que conhecia tão bem. Os casebres corroídos pela maresia já não chamavam sua atenção. Percorreu a cidade em direção ao mosteiro, caminhando pensativo sobre as ruas de pedra, sempre buscando atalhos no caminho para não se expor demais.
Frade Francisco Cortês, estava retirado para o santo ofício havia quase três décadas. O atual líder religioso do mosteiro de La Rábida exercia grande influência na cidade de Palos, com total confiança e autoridade dada pela Igreja. O catolicismo era predominante na Espanha, e o rei Filipe II um grande defensor da Igreja e da religiosidade cristã.
Francisco costumava andar pela cidade interagindo com o povo. Em uma dessas procissões, encontrou Juan. Ficou admirado com as atitudes do garoto, num entrave no qual teve que livrar um de seus amigos das mãos de um comerciante. Espantou-se com sua coragem e espírito de liderança. Forçou uma aproximação, tentando persuadi-lo sempre que possível às causas da caridade. De início, o garoto desacreditava nas pessoas. Preocupava-se apenas com sua sobrevivência e a dos seus companheiros. Após encontros ao acaso, o frade convenceu Juan a visitá-lo no mosteiro em algumas ocasiões para que pudessem conversar mais à vontade.
Juan começou a gostar dessas visitas, que o faziam pensar além do mundo que conhecia. Dialogavam sobre as escrituras, sobre os reis do passado e em como o mundo era grande e cheio de segredos. Das visitas, o mancebo sempre saía com um livro que depois devolvia para pegar outro. Juan aprendia muito com Francisco, e ele aprendia muito com o garoto.
- Seja bem-vindo, Juan! – Atendeu-lhe um monge magro, de aspecto gentil, que cuidava da entrada.
O mosteiro de tijolos vermelho-alaranjados tinha grandes portais sustentados por pilastras. Durante o dia era iluminado por enormes janelas e por rosáceas espectrais. Havia também um jardim interno de miosótis, onde Francisco costumava ficar para meditar, e era lá que se encontrava quando Juan começou a se aproximar.
- Olá meu jovem, a que devo a honra? – O garoto demonstrava apreensão.
- Preciso conversar com o senhor – Francisco olhou-o por um momento, levantou-se e proferiu.
- Vamos à minha sala.
No caminho os dois se mantiveram calados. Juan admirava o teto e as paredes da construção. Sempre ficara impressionado com a paz e o silêncio. Diferente de tudo que conhecia. Na cidade, as pessoas gritavam, esbravejavam irritadas umas com as outras sem qualquer tipo de respeito. Francisco disse-lhe certa vez que elas faziam aquilo para expressar seus sentimentos, e como forma de se proteger do mundo.
- Sente-se aí, Juan – apontou o frade para uma das cadeiras à frente de sua mesa. Francisco se sentou do lado oposto. Enquanto arrumava alguns papéis, foi logo perguntando:
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O Rei das Docas
Historical FictionNo fim da Idade Média, um bando de garotos luta contra as injustiças e crueldades de um mundo inóspito, sombrio e inclemente. Num cenário repleto de piratas, nobres e religiosos inescrupulosos, bruxas e maldições, onde quem se descuidar é destinado...