Um bafo quente, uma brisa tostada e o bando de homens pulverulentos espalhados sobre o convés. – O tesouro dos ingleses foi roubado deste navio – começou o tenente falando pausadamente – quero acreditar que nenhum de vocês esteja envolvido. Como sabem o que estava lá era de todos nós, por isso temos que encontrá-lo. Estão liberados para atormentar as pessoas deste cais até acharmos quem nos roubou. Não me voltem aqui sem estes baús!
Os tripulantes saíram em debandada. Afoitos correriam em direção ao porto e durante aquele dia e posteriormente, invadiriam estalagens, bares e galpões, tudo em volta do cais que pudesse ser revirado e posto do avesso. Agrediram diversos homens suspeitos, e ladrões conhecidos na região. Munhoz se dispôs a falar com o alcaide, que lhe devia alguns favores.
– Ei capitão! – Alejandro e Munhoz viraram para trás. Uma figura esquisita irrompeu no convés.
– Paco?
– Eu vi os gatunos, capitão. Vi sim, vi os gatunos que roubaram o nosso tesouro! – Os homens se encararam, desconfiados.
– Como assim, você viu?
O velho, ainda sob forte efeito de bebida, respirou fundo. Sentou com dificuldade em um degrau da escada que levava para parte superior do convés e começou:
– Eu estava vigiando a porta da sua sala como de costume, capitão. O senhor sabe que eu não brinco em serviço e é um orgulho para...
– Vá logo ao ponto! – Cortou ríspido.
– Senhor, como eu disse estava eu em minha vigília, quando os vi entrar, eu sabia que eles viriam atrás de mim.
– Atrás de você?
– Sim, atrás de mim. Eram mais ou menos uns cinquenta homens. Armados até os dentes. Eu lutei com todos eles usando toda minha força e estava prevalecendo, quando com um golpe traiçoeiro aquele homem me acertou.
– Que homem? – disse o capitão, confuso.
–Ben Hedt.
–Mas ele está morto. O que você está...
– Correto capitão, mas o sua alma não irá descansar enquanto não me arrastar para o inferno junto com a dele!
Alejandro puxou da espada.
– Ora, eu vou cortar sua cabeça, bêbado maldito! Como pude perder meu tempo com você.
Munhoz se interpôs segurando para não rasgar a face com um riso.
– Calma, homem, é só um bêbado contador de histórias.
Alejandro estava furioso. Paco protegia-se com as mãos e olhava-o por entre os dedos.
– Senhor eu juro que os vi.
– Paco saia já da nossa frente. Se não eu mesmo mato você – sentenciou o tenente.
O velho que quase não andava, levantou-se como um gato e correu como um menino para fora do navio. Com intrepidez disse ao partir – EU O ENCONTRAREI E TRAREI SUA CABEÇA EM UMA BANDEJA, CAPITÃO.
Os rumores de que o La Concepcion fora roubado se espalhara feito uma carreira de pólvora. Raivosos, os tripulantes continuavam a torturar todos quanto podiam. Não havia um mão-leve que tivesse sido deixado em paz.
O alcaide tinha colocado soldados mais dedicados na investigação do roubo. Não que os furtos fossem incomuns no cais, todavia Munhoz relatou a importância de se encontrar os baús. Pelo jeito duma maneira pouco amistosa, pois o comandante, um gorducho de bigode que findava no queixo, deixou sua postura e seu nariz empinado, e ficou horas elaborando planos de busca a caça dos baús.
Assim fizeram ininterruptamente, até que as esperanças começaram a se esvair. Não tinham sequer pistas de onde encontrá-los.
– Quando eles virão buscar o artefato? – perguntou Munhoz.
– O comissário do duque disse que em sete dias. O homem está em Sevilha, resolvendo pendências particulares.
– Você já a viu depois que chegamos?
– Não tenho coragem de olhar nos olhos dela. Este seria o último serviço e eu falhei.
– Não foi por este homem que ela decidiu abrir mão te tudo.
– Eu sei, Munhoz, eu sei...
Um pequeno fogo estalava no meio deles, dando aos sussurros da pequena reunião um ar preocupado e vampiresco.
– Não aguento mais esta espera. Quando voltaremos para resgatá-los? – perguntou Silas.
– O porto ainda está muito agitado. – Proferiupensativo – quero que façam uma coisaantes. Sigam de perto os marujos do Galeão e me tragam informações. Não troquemolhares com eles, nem deixe que os percebam. Se lhes perguntarem qualquer coisa,ajam como retardados.
YOU ARE READING
O Rei das Docas
HistoryczneNo fim da Idade Média, um bando de garotos luta contra as injustiças e crueldades de um mundo inóspito, sombrio e inclemente. Num cenário repleto de piratas, nobres e religiosos inescrupulosos, bruxas e maldições, onde quem se descuidar é destinado...