Encontro

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Ele se virou cheio de arrogância, indignado por alguém lhe tratar assim. Mas toda sua arrogância se dissipou ao ver a face branca de quem lhe disse isso...

A garota já estava até abraçada de leve ao menininho, lhe confortando. Olhava-o com os seus olhos mágicos; porém, estes estavam sob a sombra de seu capuz; assim, não pareciam tão especiais. Também esse capuz, lhe tampava os cabelos platinados e esvoaçantes. Era muito difícil reconhecê-la. Mas, mesmo assim, Kai ficou paralisado ao lhe ver. Sabia que de algum lugar ele a conhecia; e como que instintivamente, lhe olhava admirado; com o coração acelerado; tudo como da primeira vez em que se viram.

Quando, certa de que a criança estava bem, Neve finalmente fitou Kai, estava esperando um olhar de reprovação, porém, surpreendeu-se pelo jeito embasbacado que com que ele a mirava. Corou com aquilo. E também sentiu como se o conhecesse de algum lugar, mas julgou logo que fosse só impressão. Então, tratou de não se deixar levar pelas suas "impressões" e lhe perguntou com um ar de quem não estava de brincadeira:

— Por que fez isso? Você saiu empurrando ele; nem lhe olhou nos olhos... não sabe que todas as pessoas são dignas de um mínimo de respeito? Nunca precisou fazer algo como o que ele estava fazendo para se sustentar?

Kai, que com o discurso, estava saindo de seu torpor, agora tinha sido pego de surpresa! Embora com o coração congelado, ao ouvir aquelas palavras, fora obrigado a se lembrar por um breve momento de sua infância, antes de ser adotado. Ainda que de maneira vaga, vieram memórias em sua cabeça, de quando colhia rosas com pai e as ia vender para ajudar no orçamento de casa. Assim, tudo que passava na mente para retruca-la parecia não caber. Entretanto, como de qualquer maneira, era muito orgulhoso, tentou falar qualquer coisa. Mas foi em vão...

—B-bem... e-eu estava... Distraído! Hã, bem, também, er...

Gerda se maravilhava com a situação. Aquela moça misteriosa acabara de tirar as palavras de sua boca. E ainda tocou o esnobe numa ferida profunda; deixando ele totalmente sem argumento. Como era bom ver Kai cair em si! Sabia que ela mesma nunca conseguiria tal feito, pois perdera toda a credibilidade do irmão. Mas isso vindo de uma outra garota, era diferente... E aproveitando a situação, ela se virou à sua nova heroína e disse:

— Poxa, concordo plenamente com você! É ridículo se achar assim tão melhor que os outros por causa de um título besta! Título esse que só ganhou por pura pena que os reis sentiram dele. Pena do menininho...- Kai a interrompeu.

— Gerda! – Gritou furioso, por ela querer falar desse assunto na frente daquela jovem.

A Rainha da Neve, por causa do comentário de Gerda, olhou brevemente para o rapaz com mais atenção. Constatou: ele era ruivo, de olhos verdes e grandes, com os traços devidamente delicados. Com exceção pela barba rala que crescia pelo rosto de maneira uniforme, era parecido com Anna. Mesmo tendo visto-a poucas vezes, ainda se recordava bem do rosto dela. E prestando mais atenção, percebeu também sua postura elegante e as roupas de príncipe. Era exatamente como descreviam o menino que fora adotado pela tia. Foi aí que percebeu de onde, talvez, pudesse conhecer ele. Afinal, sempre ouvira a história de quando foi encontrada pela mãe no quarto do primo postiço e foi chamada pela primeira vez de Rainha da Neve...

Com essa constatação, observou-o mais atentamente: Kai não era como ela o imaginara. Era mais bonito. E estava admirando isso sem perceber, quando a conversa voltou a chamar sua atenção:

—Por que você insiste em ser tão grosso comigo? O que eu te fiz? – Dizia a prima, segurando as lágrimas que teimavam em aparecer.

— Por favor Gerda, aqui NÃO! – Falou o príncipe de maneira ríspida.

Neve, retornando de seus pensamentos, ao perceber o que estava ocorrendo, disse suavemente:

— Por que é que você é tão ríspido? Não devia agir assim com sua irmã. Irei acabar ficando com medo de ti... - ela ia continuar, mas ele a interrompeu:

— Calma, não precisa ter medo de mim! Me desculpa se te assustei, mas é que eu sou o príncipe dessa área, o povo já me conhece... Enfim, essa tosca da minha irmã que não se esforça para se comportar dignamente diante de sua posição social...

— Ai, me desculpa pelo Kai, minha flor. Ele não é nem um pouquinho humilde; não sabe nem se portar direito na frente de alguém tão doce como você. Por isso que só vive ficando com interesseira...- falou Gerda lançando um olhar mordaz para ele.

—Kai... É justamente nome daquele garoto... Só que diziam que ele era um menino tão bom... Qual seria a razão para ter ficado assim?- Neve se perguntava nos seus pensamentos.

Enquanto isso, ele também a observava, sem graça, depois daquele comentário da outra garota. Realmente, Neve era mais doce que aquelas meninas que estava acostumado a lidar. Além disso, tinha algo nela que o encantava; que o lembrava de alguém; que lhe fazia embasbacar. -Espera! Eu já estou embasbacado agora! Ai, meu Deus, tenho que dizer alguma coisa! Aliás, por que me sinto assim com alguém que mal conheço? – Pensava Kai.
Acabou falando:

— Hã, me desculpa por essas gafes. Acho que precisamos começar de novo! Prazer, meu nome é Kai. E embora eu não esteja acostumado mesmo a fazer isso ...- de repente se virou para o menino e entregou-lhe as flores murmurando um desculpa.

A filha de Kristoff não podia acreditar... com seu semblante de assustada exatamente igual ao do pai, ficou até tonta ao observar o irmão agindo assim! E não sabia se o que lhe surpreendeu mais foi esse arrependimento súbito de Kai, ou o fato de ele parecer estar dando em cima da moça. Ao perceber que a outra o observava levemente enternecida agora, fez questão de cortar o clima. Não eram ciúmes, era apenas para ajudar a garota mesmo.

— Bem, eu sou a Gerda, muito prazer! Você deve ser muito mágica e poderosa, pois acabou de operar um milagre aqui! – Falou brincando – E você quem é? Não parece que seja desse reino, pois pelo jeito, não está muito acostumada com o frio- completou, apontando para suas roupas...

— É verdade. Por que essa roupa toda?

Pronto. Chegou, finalmente, a hora de tocar no assunto. E precisava ser sem que descobrissem o seu segredo...

— Bem, eu... – respirou e tomou força. Quase sentiu o gelo em suas mãos mas, foi por pouco. Não poderia dizer seu nome, nem porque estava se protegendo tanto do frio. Então, preferiu apenas revelar o que não comprometeria, e ir direto ao ponto:

— Eu realmente não sou daqui. Vim a procura do rei Kristoff. Onde posso encontra-lo?

— Sério? Por que não disse logo? Ele é meu pai. Infelizmente, agora está viajando, mas creio que você possa encontrar a minha mãe, a rainha Anna, lá no castelo. Sobre o que se trata? – Perguntou-lhe a prima, agora curiosa.

— Desculpa, mas é uma mensagem confidencial... Fui designada por Elsa para leva-la. Onde fica o castelo?

— Você realmente não sabe?! Uma dica: está ao lado do muro dele. – Disse o rapaz, apontando para a imensa parede que seguia rente às barracas da festa. E ele ia falar mais se a garota não tivesse saído em disparada, seguindo o muro.

Nesse muro, Olaf tinha ficado o tempo todo da conversa, recostado; parado como uma estátua para parecer um boneco normal. Quando viu ela saindo, até suspirou de alívio. Não aguentava mais ficar sem se mexer.

Enquanto ia andando, Neve se virou despedindo-se de seus novos amigos:

— Muito obrigada! Adeus!

Olaf, de modo atrapalhado, a seguiu, quando percebeu que ninguém olhava para ele. E quase que ninguém o notou mesmo, no meio daquela multidão. Só que o príncipe estava observando a garota indo embora. Nem sabia seu nome, e mesmo assim, mexera tanto com ele. Enquanto via-a se afastando, notou algo branco andando furtivamente na direção dela. Estranhando, resolveu observar bem, e se assustou com o que vira: um boneco de neve vivo! Ao se mudar seu olhar para a jovem, esperando para ver qual seria a reação dela ao ver aquilo, travou. Ela olhava com um sorriso disfarçado para aquele ser, como se fossem grandes amigos, em segredo. E com a corrida o capuz balançava um pouco, revelando uma pequena mecha do seu cabelo branco e fofo, e reduzindo levemente a sombra sobre seus olhos. Foi bem pouco, mas o suficiente para o jovem descobrir o motivo daquela sensação que tivera quando a olhou. Ela era a Rainha da Neve! Aquela que por tantos anos procurara, havia acabado de estar ali, bem na sua frente!

Frozen - A Rainha da NeveOnde histórias criam vida. Descubra agora