Espelho do Conhecimento

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Kai observava incrédulo ao redor dele: mesmo sem conseguir sentir o frio, ele percebia que o palácio de gelo havia sido transfigurado. Não bastasse isso, ainda podia também ver o tal quarto misterioso que a Rainha da Neve criara no canto vazio do salão. Por essas coisas, e pela discussão que ouvira de relance, o garoto sabia que sua Rainha não estava nada bem.

— Justo agora que finalmente conseguimos fazer Kristoff se descongelar um pouco! Eu aposto que ela ia ficar tão feliz em saber que está conseguindo realmente nos ajudar...

O garoto, então, tomou coragem e resolveu ir até o tal quartinho, onde havia visto ela entrar e não sair mais. Quando o adentrou, ela estava sentada em uma espécie de trono de gelo no centro de um lago congelado e quebradiço. Na mesma hora, ele saiu perguntando de supetão, assustando de leve, a jovem:

— Meu Deus, o que é isso?! O que houve aqui?!

De maneira séria e triste ela lhe respondeu:

— Não importa. Só é bom que você saiba que é aqui que devo passar a maior parte do tempo de agora em diante. Quando precisar falar comigo, já sabe onde me encontrar. Mas aconselho, para seu próprio bem que não venha muito.

— Como assim? Já não bastava viver presa em um castelo, agora vai viver presa em um quarto?! Por favor não abandone a mim e a Kristoff! Principalmente agora, que ele se descongelou um pouco! Você sabe que eu não iria conseguir sozinho fazer ele continuar a melhorar...

— Kristoff começou a se descongelar?! Oh, graças à Deus, meu plano então está dando certo! Escute Kai, infelizmente, para que as coisas continuem assim, eu preciso ficar aqui me certificando de que nada está saindo de controle. Está vendo essas "pecinhas" no chão? Elas formam um "Espelho do Conhecimento". Digamos que através dele eu consigo me avaliar melhor, e consequentemente, também tomo mais cuidado com meus atos. Enfim, não se preocupe quanto a ficar só, pois eu continuarei ao seu lado e lhe ajudarei o máximo que puder. E lembre-se que eu não sou a única neste castelo que pode aquecer seu coração. Você tem a Olaf, Marshmalow, e também a minha mãe agora, que apesar da nossa discussão, sei que presa um pouco pelos objetivos de meu plano... Ah, não esqueça também que a sua maior ajuda ainda está a caminho.

— Rainha, não vai ser a mesma coisa se não for você quem me ajudar. Será que nem com esse "espelho do conhecimento" você percebe que é a sua rejeição o que mais deixa minha cabeça fora do lugar, e mais machuca meu coração? Quer se certificar que as coisas não estão saindo de controle? Eu mesmo lhe respondo: enquanto estiver se prendendo e repreendendo tanto, elas sempre estarão descontroladas. Não era algo assim que você dizia quando tinha terminado de chegar aqui comigo? Por favor, Rainha, volte a dar uma chance para si mesma. Por mim que gosto tanto da sua companhia, por tudo aquilo que sei que você é capaz... – dizia Kai, se segurando para não chorar (afinal, na cabeça dele, homem não chora).

— Kai, é exatamente porque sou a maior culpada pela sua situação, que a gente precisa se afastar. Infelizmente, naquele dia em que falei em me libertar, eu não sabia dos estragos que tinha causado. Então, por mais que eu goste da sua companhia, por mais que eu queira me libertar, nada disso importa, pois sei das coisas terríveis que posso provocar se me permitir isso. O que realmente importa é esse espelho que me dá controle total sobre meus atos e me mostra a melhor maneira de fazer a todos ao meu redor, o máximo que eu puder, felizes. – a dama tentava sorrir ao dizer isso, mas as lágrimas escapavam dos seus olhos. Aliás, Kai nunca havia visto seus olhos mágicos tão opacos, amuados e... "normais".

O menino, então, não conseguiu dizer mais nada, simplesmente saiu andando e deixou-a lá na sua reclusão. Porém, mesmo sabendo que não tinha mais alternativas do que fazer quanto à isso, sentia-se indescritivelmente mal. Nos dias seguintes, ele continuou tentando ajudar o pai, e recebia toda a forma de auxílio pelos demais moradores do castelo; contudo era nítido que estava congelando cada vez mais rápido. A cada dia que passava, se sentia mais amuado, e perdendo o pouquinho de bondade que brotara em seu coração. Assim, Kristoff passou a ficar aos cuidados de Elsa e Olaf, pois Kai não queria cuidar de alguém de quem não se lembrava (o feitiço do beijo, lembram?), por causa da Rainha que não via mais. Os vidrilhos penetravam cada vez mais fundo sua alma, mas ao contrário de quando eles lhe atingiram, ele não sentia a mínima dor... Não demorou muito até seu coração ficar tomado por labaredas de cristais frígidos.

A Rainha da Neve, percebendo o estado do garoto, consultou seu espelho sobre o que devia fazer. Ela sabia que o garoto estava precisando mais do que nunca de sua ajuda, mas ainda achava que se voltasse a se aproximar dele, as coisas ficariam piores. Então, resolveu dar-lhe um punhado dos vidrilhos mágicos que ficavam em seu cabelo, explicando o que tinha em mente:

— Conhece o tangram, aquele jogo com várias figuras geométricas, em que se deve formar um quadrado com elas? Se quiser sair daqui; ter sua liberdade de volta; e quem sabe, até viajar o mundo comigo, como já sugeriu, você deverá jogá-lo com esses vidrilhos que estou te dando. Só que ao invés de um quadrado, terá de formar a palavra "eternidade". Se for capaz, posso até te dar meu trenó de gelo!

O ruivo tentou de todas as formas possíveis, desenhando figuras complicadíssimas, e tentando por horas e horas. Aquilo havia se transformado no seu "'quebra-cabeça' do conhecimento". Nos seus olhos, inebriados pelo pedaço de vidro que entrou neles, as figuras que formava eram extraordinariamente lindas, e importantes; mas nunca conseguia fazer a palavra.

***

Gerda, enquanto isso, seguia pela floresta, agora em uma carruagem. Em sua jornada, ela havia conseguido achar o castelo da princesa da Suécia, onde se apresentou como alteza de Arendelle. Desse modo, pôde mandar notícias à mãe, além de conseguir roupas novas, e a tal carruagem. Afinal, não aguentava mais andar a pé, nem tomar chuva, ou qualquer coisa do tipo.

Porém, o veículo real chamou atenção de uns ladrões, que ao perceberem os brilhos dourados vindos dela, resolveram atacar; pegando os cavalos, prendendo o cocheiro, e capturando a garota. A líder deles logo percebeu que ela devia ser uma nobre, entretanto, quando ia ataca-la, foi detida por sua filha.

— Mãe, ela pode me fazer companhia, afinal sou a única mocinha nesse bando.

A mulher negou a totalmente a ideia. Todavia, como a menina era muito esperta e espoleta, deu um jeito de entrar na carruagem com Gerda e leva-la para a fortaleza abandonada em que morava a gangue. Pelo caminho, foram conversando:

— Você é uma princesa de verdade?

— Não! Quer dizer, acho que para você posso confessar que até tenho esse título sim... Mas é só o título, porque não tenho o mínimo jeito de princesinha; nunca gostei de usar vestidões, frequentar bailes ou coisas do tipo... Também nunca soube viver longe da vida simples do povo... Meu irmão até brigava comigo por isso. Enfim, sou, mas não consigo me ver como uma.

Também acabou lhe contando sobre tudo que estava passando, que devia encontrar seu antigo amigo... Mal haviam se conhecido e já pareciam amigas de longa data. Exceto, por um comentário da bandidinha:

— Ninguém aqui irá te matar se eu não ficar com raiva de você. Mas se isso acontecer, eu mesma faço o serviço.

Ao chegarem na tal fortaleza, elas se alimentaram de um caldo que estava sendo esquentado numa lareira bem no centro do lugar. Depois, a ladra convidou Gerda para dormir no mesmo quarto que ela, que por sinal, era também o cômodo onde ficavam os animais. Enquanto se deitavam, a loira, alarmada pelo objeto que viu a amiga morena segurar, disse:

— Você pretende dormir segurando sua faca?

— Eu sempre durmo com ela. — respondeu secamente a ladra. E logo resolveu mudar de assunto, querendo saber mais sobre o tal desaparecimento do príncipe. Depois que tudo foi, dentro do possível, explicado, 2 passarinhos que estavam ali entre os vááários animais, começaram a cantar e voar desesperadamente, assustando as meninas. Aos poucos, elas foram percebendo que eles tentavam mostrar que o telhado estava marcado come se tivesse sido atingido por um trenó, e que haviam vestígios de uma grandiosa tempestade de neve onde ele teria passado.

— Foi a Rainha da Neve.

Frozen - A Rainha da NeveOnde histórias criam vida. Descubra agora