EPISÓDIO VI - Sobre Coisas Boas Na Vida

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 — Ah, não! Ah, não! – Analua resmungou correndo, a mochila batendo em suas costas, até o ponto de ônibus. – Por favor, que não seja o meu ônibus!

Claro que era, ela percebeu, antes de conseguir atravessar a avenida. Um carro buzinou alto e forte quando ela pulou sem olhar e correu ainda mais rápido, batendo na lataria do ônibus. Era tudo o que faltava para coroar aquele primeiro dia de aula na escola de seus sonhos. E lembrar para Ana Luísa que, geralmente, sonhos são muito melhores quando você não acorda e precisa enfrentar a realidade.

Ela deu a volta no ônibus e suspirou aliviada ao ver que um homem segurava a porta para ela.

— Obrigada – arfou.

— Não por isso – ele deu um dos sorrisos mais bonitos que ela já viu e abriu espaço para ela passar.

Analua sorriu e subiu, contente por ter conseguido chegar a tempo. Contentamento que diminuiu bastante quando ela viu o tanto que o ônibus estava lotado, mas pelo menos ela não teria que ficar mais quarenta minutos em pé esperando, tremendo de medo do que poderia acontecer se escurecesse e ela fosse a única indo para seu bairro e provavelmente debaixo de uma tempestade, considerando como o céu estava escuro antes mesmo das seis horas da tarde.

Pedindo licença e desculpa ao mesmo tempo, por empurrar mais pessoas do que deveria e esbarrar a pesada mochila em todas na passagem, Ana Luísa tentou se esconder no fundo do ônibus. Não tinha espaço nem para ela se mexer e pegar o celular e o fone de ouvido, o que faria a viagem de quase quarenta minutos uma jornada sem fim, ela suspirou.

Ok, foco nas coisas boas.

Como ter conseguido entrar no ônibus antes dele sair. Ou antes da tempestade que ameaçava cair. Ou o fato de que foi seu primeiro dia na melhor escola do mundo inteiro. Ou que agora ela poderia dizer que era companheira de sala de Bernardo Tavares, o garoto mais bonito do Brasil. Que não estava assim tão bonito, mas era tudo uma questão de perspectiva. E de um bom banho. E alguns quilos de comida saudável, provavelmente.

O motorista freou bruscamente e Analua viu seu corpo cair pra frente, só pra pessoa ao seu lado a empurrar para trás e ela despencar, nada elegante, no colo de alguém. Ah, ótimo.

Onde foram mesmo parar as coisas boas?

— Desculpa – ela resmungou, juntando sua mochila, sua dignidade e um pouco de coragem para olhar para onde sentou enquanto levantava. – Ah, pelo amor de Deus!

Era Bernardo Tavares.

Analua sentiu as bochechas esquentarem enquanto o via arquear a sobrancelha por baixo da toca da blusa do colégio. Fora isso, não havia expressão alguma no garoto, como não houve hora nenhuma durante as quase sete horas que dividiram a mesma sala.

— Desculpa – ela resmungou e desviou o olhar rápido, focando em manter as mãos bem firmes no mastro do ônibus dessa vez.

— Me dá sua bolsa.

— O quê?

Era a primeira coisa que ela o ouvia dizer durante o dia inteiro, com exceção de quando o professor de matemática o fez responder a questão do quadro. Mas Ana Luísa se recusava a considerar como frase qualquer coisa que envolvia logaritmos, por mais correta que tenha sido a resposta de Bernardo.

— Você é a aluna nova, não é? – apontou a blusa de frio dela. – Dá sua mochila. Eu seguro.

— Obrigada – ela disse, passando a mochila para ele.

— Não tô fazendo por você.

Analua mordeu a língua, literalmente, para não soltar outro pedido de desculpa. Por alguma razão, tinha quase certeza que Bernardo não gostaria nem um pouco se ela falasse aquilo outra vez.

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