Gabrielle conhecia muito bem a sala do diretor – ela sempre acabava lá desde que começou a estudar no Magna, aos nove anos. Mas nunca naqueles anos todos viu Dandara ao seu lado, tão encrencada quanto ela. Quase sorriu. Era divertido ver as pessoas saírem do controle, vez ou outra. Era, mais ainda, divertido tirar as pessoas do controle.
— Mas, afinal – disse o diretor, afrouxando a gravata listrada, mania que sempre praticava quando alguém aparecia na sua sala por indisciplina – o que está acontecendo com vocês hoje? Bernardo quase destruiu o corredor, vocês quase se mataram...
— O que houve com Bê? Ele está bem? – Dandara perguntou.
Gabrielle bufou, afundando na cadeira estofada e chique da sala.
— Isso não é da sua alçada, Dandara. De verdade, meninas, houve um tempo que vocês se davam bem.
— Quase – resmungou Gabi, sem se conter.
O diretor arqueou a sobrancelha. Ela arqueou a sobrancelha de volta. Então, ambos suspiraram.
— Não é como se tivéssemos sido melhores amigas em algum momento da vida – continuou.
Era verdade. Dandara era certinha demais para os parâmetros de Gabrielle. Além disso, parecia sempre viver dentro de um escudo de proteção, como se tivesse medo de estourar os limites e alguma coisa de ruim acontecesse. Carol tentou se aproximar várias vezes, mas Gabi nunca foi do tipo empática e, portanto, não foi do seu interesse tentar entender a mente sempre organizada da colega de banda.
Não era para isso que elas ficaram juntas. Era para ter um grupo de sucesso. Então, Dandara não precisava ser sua melhor amiga. Ninguém precisava, já que tinha Carol. Até que, claro, Carol morreu.
E a banda também.
E Gabrielle ficou sozinha.
Ela sentiu Dandara se remexer e começar a dizer alguma coisa, mas a porta se abriu antes que ela elaborasse a primeira sílaba, de modo que ficou mais parecendo uma ecolalia sem sentido.
— Cheguei e quero saber o que houve – falou Ana Clara, seu salto alto tilintando antes mesmo da voz alcançar todos na sala.
Gabrielle resmungou, afundando ainda mais na cadeira em que estava.
Ela simplesmente odiava a mãe de Dandara, mais do que odiava a adolescente ao seu lado.
Não que Ana Clara fosse má. Ela não era. Era uma dessas mulheres bonitas e fortes e independentes e elegantes e magras e perfeitas e influentes e. Era tanta qualidade e dinheiro que seria difícil qualquer mortal não odiá-la.
E Gabrielle era exatamente o tipo de mortal acometido por ataques de ódios gratuitos (e nem sempre gratuitos, também) por qualquer pessoa que estivesse minimamente melhor do que ela na vida.
O que, pensando bem, não era assim tão difícil de acontecer, depois de tudo.
Às vezes a garota só queria apagar esse "depois de tudo". Congelar-se no tempo. Um instante antes da briga com a melhor amiga. Sem que a voz melódica da loira ecoasse em sua mente toda vez que ficava mais em silêncio do que deveria. Sem precisar ouvir todas as críticas e reclamações e acusações, principalmente. Sem que acordasse de madrugada suando frio, ouvindo a repetição incansável de ser chamada de vadia pela melhor amiga. Pela sua única amiga. Agora morta.
— As duas brigaram – explicou o diretor, de modo patético, como sempre.
— Minha filha nunca briga.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Mil Voltas de Saturno
Teen FictionEntre risadas, cafés e alguns acordes, Carol, Bernardo, Dandara, Gabi e Léo fundaram a banda Mil Voltas de Saturno, numa despretensiosa tarde de domingo. Mas o sonho, tão bobo para adolescentes, ganhou o Brasil inteiro e, em poucos meses, os jovens...