EPISÓDIO XVI - O MISTÉRIO DO CORINGA

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 — Pessoal – Thales, o professor de teatro do Colégio Magna falou, batendo duas palmas para chamar a atenção dos alunos do terceiro ano espalhados pelo tablado, naquela tarde calorosa de quarta-feira. Depois de quase um ano na Europa, Analua tinha se esquecido de como Belo Horizonte podia fazer calor em uma temperatura que tinha tudo para ser despretensiosa. Ela amarrou o cabelo num coque enquanto esperava o resto da turma silenciar para o professor continuar a falar.

A adolescente estava com um pouco de pena do Thales, porque, desde a entrevista desastrosa de Mil Voltas de Saturno ninguém daquela escola parecia conseguir prestar atenção em nada. Cada hora saía alguma fofoca nova, num site de origem duvidosa que ela tinha certeza de que era FakeNews, mas que todo mundo alimentava e compartilhava mesmo assim. Até as disciplinas que eram mais complexas e todo mundo ficava quieto, como química e matemática, tinham perdido um pouco do foco. Não seria Teatro que voltaria os alunos para seu lugar de terceiranistas desesperados pelo ENEM.

— Alguém pode me dizer o que é uma performance, dentro do contexto teatral?

— É uma apresentação mais fluída e com mais liberdade entre o ator ou performista e a plateia que o acompanha. Geralmente tira o outro da zona de conforto e deixa a significação para quem assiste, não para quem pratica – explicou, como sempre, Dandara (de longe, a Hermione da turma inteira).

Thales assentiu, dando um sorriso e piscando para ela.

— Muito bem, Dan – parabenizou, fazendo a adolescente sorrir também, enquanto outros colegas de sala resmungavam mais ao fundo do tablado. Analua sorriu consigo mesma porque, independente do lugar do mundo, aquela era uma dinâmica que sempre acontecia: a nerd da sala sempre recebia congratulações dos professores e outros alunos sempre se irritavam com isso. – As performances, diferentes das peças teatrais, costumam ser bastante intensas e, por isso, recomenda-se que se tenha um psicólogo preparado para...

— Jogar água no incêndio – completou Léo, divertidamente.

Todo mundo riu e Thales levantou as duas mãos para o alto.

Analua gostava do professor. Claro, tinha aquele estereótipo um tanto quanto estranho de pessoas do teatro, com seus cabelos grandes presos num coque, a barba ainda maior e roupas de um gosto tanto quanto duvidoso. Mas Analua também era a garota que também gostava de roupas de gosto duvidosos, de modo que não tinha muito mérito para criticar a saia longa do professor (na verdade, sendo bem sincera consigo mesma, ela queria uma saia daquela para sua próxima apresentação).

— Sim, basicamente – Thales concordou. – É por isso que hoje temos a presença de Alícia que, gentilmente, cedeu um espaço da sua agenda para presenciar tudo isso. Portanto, por favor, vamos fingir que somos bem-educados na presença de estranhos, como nossos pais nos ensinaram, tá bem? Isso inclui não mexer no celular enquanto estou falando Gabrielle.

A garota piscou, levantando os olhos para o professor, depois para a psicóloga ao fundo. Sacudiu os ombros e, como se não tivessem falado com ela, continuou mexendo no celular.

Analua revirou os olhos porque era difícil gostar de Gabrielle, com ela sendo tão pé no saco com todo mundo.

No primeiro momento, Ana Luísa até acreditou que o problema era com ela. E entendia. Gabbi havia perdido a melhor amiga e isso não era pouca coisa, quando se tem dezesseis anos. Além disso, foi só por causa da morte de Carol que Analua conseguiu a vaga na escola que tanto queria, então, tecnicamente, sim, ela estava mesmo ocupando o lugar da garota morta. Não porque ela queria. Mas porque a vida era assim mesmo: não parava. Mesmo quando todos os integrantes da banda pareciam convictos em não continuar.

Mil Voltas de SaturnoOnde histórias criam vida. Descubra agora