Teria sido a última mensagem que Carol enviara? Dandara se perguntou pela milésima vez – e provavelmente não a última – enquanto encarava o celular e esperava os outros (ex?) integrantes da banda chegar na reunião com Sílvia. Ela estava jogada no sofá confortável da casa da (ex?) empresária, fingindo que ouvia música, quando na verdade stalkeava as conversas que havia tido em privado com Carol, enquanto Sílvia cantarolava e fazia café na cozinha.
Não foram muitas trocas de mensagem, porque Carol e Dandara nunca combinaram muito. Talvez porque eram opostas tão fisicamente na coloração de pele, talvez porque, mesmo pertencendo a mesma classe social, fossem tão diferentes, talvez porque Carol nunca aceitou a amizade de Dandara com Bernardo...
Bernardo.
A causa e consequência de toda aquela história que, afinal, fazia pouco sentido para a cabeça romântica de Dandara.
A garota amava-o. Cresceram juntos, afinal. Ele era filho da empregada de sua casa e ambos tinham a mesma idade, então, quando ele não tinha aula, dona Aparecida acaba levando-o para a casa da patroa. E era fácil gostar de Bernardo – ele tinha um sorriso lindo e um bom humor maravilhoso. Era mais fácil ainda odiá-lo.
Mas Dandara nunca foi capaz – de odiá-lo, no caso. Talvez ela tivesse sido, se ele não tivesse batido num garoto que a chamara de "pretinha invocada", quando ambos estavam com sete anos. Era filho dos vizinhos e ela estava voltando da aula quando ele a encurralou. Ele era bem mais velho e maior e foi a primeira vez que Dandara sentiu medo. Então, Bernardo apareceu. E socou o adolescente. Claro que ele apanhou muito mais, mas no fim não fazia muita diferença: Dandara acreditava que eram os meios, e não os fins, que justificavam a história toda.
E, por isso, por todas as vezes que Bernardo a defendera, ela o defenderia também. Não importasse o crime, a mentira, o sumiço ou a omissão: Dandara o defenderia como um irmão. Porque, afinal, Bernardo era mesmo um irmão para ela. Ainda que a cor da pele jamais dissesse isso de ambos. Ainda que ninguém acreditasse. Ainda que Carol tivesse morrido acreditando que havia algo mais entre os dois.
Era até patético de se pensar, Dandara achava. Mas o ciúme, disse sua mãe certa vez, era uma armadilha perigosa. Que, vez ou outra, enforcava muitas pessoas. Ela não achava que a mãe tinha falado no sentido literal, mas, em todo caso...
O interfone tocou fazendo a garota largar o celular no susto, mas, felizmente, Sílvia não percebeu – estava muito compenetrada errando todas as notas na música que cantava. Pobre Chico Buarque. A música brasileira sofria um colapso fenomenal quando a empresária resolvia brincar de cantar.
— Léo acabou de chegar para te fazer companhia – Sílvia avisou.
Dandara limitou-se a dar de ombros. Léo não fazia companhia a ninguém – nem a si mesmo. Era incapaz disso. Mas ela não falaria nada, em todo caso. Não fazia diferença.
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Mil Voltas de Saturno
Teen FictionEntre risadas, cafés e alguns acordes, Carol, Bernardo, Dandara, Gabi e Léo fundaram a banda Mil Voltas de Saturno, numa despretensiosa tarde de domingo. Mas o sonho, tão bobo para adolescentes, ganhou o Brasil inteiro e, em poucos meses, os jovens...