A casa estava cheia. Tia Luíza andava de um lado para o outro na cozinha, abrindo as portas dos armários e distribuindo os pratos na mesa, com ajuda de duas amigas suas. Julia brincava de chutar Igor, seu namorado e também meu amigo (às vezes). Alice estava quieta no celular, os olhos bem focados na tela, parecendo uma executiva atrasada em prazos, mas provavelmente frustrada com algo no auge de seus 13 anos.
Eu continuava sentada no sofá, um olho na televisão e outro à minha volta. Fiquei assim, as pernas dobradas, os braços fazendo pressão em volta e a cabeça recostada no sofá, até que tia Luíza gritasse que a comida estava pronta.
— Mãe, isso parece estar delicioso — Julia se levantou e puxou Igor. — Prima, vem. Pirralha, você também.
Alice pensou em dizer algo, mas não respondeu, apenas se levantou e segurou minha mão. Eu realmente poderia ficar ali até que outra pessoa me puxasse, mas Alice quem decidiu fazer isso. Éramos realmente próximas.
Me levantei e andei até a cozinha. No corredor, três quadros alinhados, minha mãe em um deles, mais jovem, os cabelos castanhos soltos, e ao lado Tia Luíza. No quadro ao lado, as duas com minha avó ao meio, recebendo o melhor beijo do mundo, de suas filhas amadas. O terceiro era de nós quatro, as donas da casa, o quarteto fantástico, como dizia Igor.
Perdi minha avó aos 8, minha mãe aos 15 e Pedro...
Pedro...
— Helena, eu fiz aquela lasanha que você ama — tia Luíza me tirou do torpor e deu um sorriso tão grande que me obriguei à sorrir de volta. — Igor, você também ama que eu sei, pode se sentar e jantar conosco.
Enquanto todos conversavam sem parar, apenas assistia do lado de fora, obrigando a comida descer com ajuda de água. Acenava em alguns momentos e sempre dava sorrisos. Na hora da sobremesa aleguei cansaço e subi para o quarto.
Todos fizeram a mesma cara de tristeza, mas Alice me salvou, falando sem parar de como estava brava com sua professora de história. A melhor prima do mundo.
Dessa vez passei rápido pelo corredor, sem olhar para as fotos, e subi rapidamente as escadas, que também continham outras fotos na parede, praticamente uma por degrau.
Entrei no quarto e me joguei na cama. Depois de um tempo, segurei o quadro em cima do móvel, ao lado da cama. Uma foto um pouco antiga, no parque do Ibirapuera, minha mãe me rodando, um sorriso largo, nossos cabelos voando, a felicidade invadindo nossos corpos. Eu devia ter 6 anos, e o mundo ainda era perfeito para mim. E era por isso que exatamente essa foto ficava ali. Além de ser natural, era um dia perfeito, uma vida perfeita. Com uma mãe mais perfeita ainda.
Senti a felicidade me invadir e tirei da gaveta a nossa caixa. Uma caixa rosa, de madeira, perfeitamente quadrada. Cheia de fotos nossas, cartas uma para a outra, objetos de antes e depois dela partir.
Saber que ela não estava aqui era difícil, mas suportável. Ver ela sofrer numa cama de hospital que doía, muito mais uma pessoa tão vívida e alegre como Caroline. Eu tinha orgulho demais, e só isso preenchia meu corpo.
— Até um dia, mãe. — Fechei a caixa, mas não a guardei, apenas a cobri comigo e peguei no sono.

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Filhos do Amanhã
RomanceComo lidar com a perda? Helena não sabia, nunca soube, nem procurou descobrir. Perdeu o namorado e decidiu se isolar, até um dia finalmente aceitar participar de reuniões de apoio. Eis que começa uma jornada de se redescobrir e aceitar as mudanças q...