Oito

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O caminho para casa não foi muito silencioso. Tia Luíza passou metade do tempo dizendo formas de castigar Julia caso ela alterasse a voz e se achasse na razão, e outra metade em tentar me convencer a ir com a própria Julia ver o filme que vira com Alice. Algo sobre aliens invadirem a terra, nada muito original.

     Minha tia com certeza é uma das pessoas que eu mais amo no mundo. Desde pequena ela cuidava de mim e minha mãe também ficava bastante com Julia. Nós sempre fomos próximas, então, quando minha mãe faleceu, ela se ofereceu imediatamente para ficar comigo. Também não foi uma grande luta, porque meu pai até me aceitaria, apesar de ter uma nova família, mas com certeza não brigaria para me ter ao seu lado (e eu também não fazia a mínima questão). Então, nós sofremos juntas. Tia Luíza ficou muito abatida, mas precisava ser forte, por diversos motivos, e foi ela quem me inspirou a levar a falta que minha mãe fazia ser preenchida apenas com lembranças boas.

     Ela também tentou fazer isso com Pedro, mas não que tenha funcionado. Na verdade, ela percebeu que só estava piorando, então parou. Eu me culpo o suficiente, porque com certeza podia ter me esforçado mais. Quem sabe.

     Chegamos em casa e Alice saiu na frente, alegando precisar usar o banheiro com urgência. Fiquei para pegar algumas compras.

     — E aí, como foi a reunião? — tia Luíza perguntou assim que entramos.

     — Legal. As pessoas são gentis, eu me senti bem lá. Espero que seja sempre assim.

     — Então quer dizer que você pretende ir mais vezes? — seus olhos brilharam. — Lena, isso seria maravilhoso.

     Acho que sim. Era o sentimento no meu coração. De que eu queria ir mais vezes. Precisava, na realidade. Então, respondi que sim, e tia Luíza me deu um abraço. Queria demonstrar mais gratidão por tudo que ela sempre fez, e com certeza seria uma das primeiras coisas a fazer quando eu estivesse melhor.

     E esse era o primeiro passo: pensar que poderia melhorar. Apesar de precisar caminhar muito mais para alcançar o auge da positividade e felicidade, eu podia sentir que teria ajuda o suficiente, e isso era melhor que nada.


O céu ficou escuro mais cedo que o normal. O vento lá fora fazia as árvores balançarem com força. Eu e Alice conversamos um pouco sobre a reunião, enquanto Tia Luíza corrigia algumas provas. Era incrível ter uma parente que lecionava inglês e português. Mais um item para a lista da super mulher que ela sempre fora.

     Mais cedo, Julia havia me mandado uma mensagem, mas foi Alice quem viu e falou para sua mãe. Quando ela começou a esbravejar, eu imaginei que o texto não era bom. E estava certa:

     JUBS: droga, prima, você não está aqui. Minha mãe já te buscou???

     Claramente, minha tia não deixou que eu respondesse, disse que daria uma chance para que Julia chegasse em casa o mais rápido possível, sem que ninguém precisasse mandar. Era o mínimo que ela poderia fazer depois de desobedecer o castigo. Não foi o que aconteceu. Julia chegou justamente no cenário de conversas e correção de provas. O clima ficou tenso na hora.

     Minha tia apenas se levantou e disse:

     — No meu quarto. Agora.


Uma coisa que as pessoas precisam saber sobre não morar na própria casa: em algum momento você irá se sentir deslocado, como se não pertencesse ao lugar. Apesar de todas as três sempre terem me tratado da melhor forma, ainda assim, em alguns momentos, eu sentia falta de casa. Agora, por exemplo, a conversa entre Julia e a mãe havia esquentado, e o clima logo depois ficava muito tenso. Sempre assim, até que elas se resolvessem.

Filhos do AmanhãOnde histórias criam vida. Descubra agora