Capítulo 2 - Decepção I

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Eu tinha a impressão que ao exibi-lo para mim ele estava se impondo como macho dominante, embora em meus pensamentos eu nunca tenha questionado essa posição.
Espantosamente, à medida que o tempo passava, ele e eu fomos criando uma intimidade cada vez mais profunda. Ele me contava em detalhes todos os lances com as mulheres que conquistava, inclusive e pormenorizadamente, os de cunho sexual. Falava do trabalho, queixava-se disso ou daquilo, me confidenciava questões ligadas à família dele e, em questão de meses eu sabia mais da vida dele do que qualquer outra pessoa com quem ele já tinha convivido. Passada essa fase de consolidação da nossa amizade, ele começou a pedir a minha opinião quanto às roupas que comprava. Quando chegava em casa do trabalho mais exausto e estressado, tomava uma ducha e me pedia para fazer massagem nele, o que o relaxava enquanto ia me contando como fora seu dia. Numa determinada ocasião, quando precisou ficar acamado por uns dias devido a uma virose severa, e o médico lhe havia prescrito um antibiótico injetável, pediu que eu fizesse as injeções, pois sabia que eu tinha feito um curso de primeiros socorros e procedimentos básicos de enfermagem. A tal ponto chegou a confiança que depositava em mim, e a certeza de que eu faria tudo para cuidar dele.
Muitas vezes, quando madrugada alta, conversávamos no quarto, e ele se mostrava mais aberto e confidente, eu tentei contar que me sentia atraído física e emocionalmente por ele. Que nunca tinha tido nenhuma experiência homossexual, mas que desde o momento em que o conhecera, essa tinha se tornado uma vontade avassaladora. No entanto, a coragem desaparecia assim que eu começava a pensar nas palavras que usaria para lhe dizer isso. A cada oportunidade perdida eu me sentia mais vulnerável aquele amor, e tratava de enfiar a minha frustração no cantinho mais recôndito da minha alma. O medo da reação dele, e de perdê-lo para sempre, fazia minha coragem desaparecer como num passe de mágica.
Uma pequena crise doméstica me fez conhecer de forma um pouco dolorosa e cruel um lado do Beto que eu preferia nunca ter conhecido. Tudo começou com a saída da Alice, nossa empregada. Era a quinta que nos deixava na mão nos últimos doze meses. Como essa era parte das minhas funções no cotidiano da casa, eu tornei a recorrer à agência de recrutamento que nos havia enviado as outras empregadas. Desta vez fui um pouco mais incisivo na minha solicitação e pedi um empenho maior por parte deles na indicação das candidatas.

- Paulo? É a Carina da agência de RH, tudo bem? - Disse a voz quando atendi o número que não havia identificado no display do meu celular, enquanto estava almoçando com os colegas de trabalho.

- Ah! Tudo bem. Tem alguma novidade para mim? - Perguntei, ansioso para pôr fim ao pequeno drama doméstico que estávamos vivendo.

- É por isso que estou ligando. Selecionamos quatro candidatas para o senhor entrevistar. - Revelou animada.

- Que bom! Você sabe que eu só posso agendar as entrevistas para o sábado, é quando tenho como reunir boa parte das pessoas que moram comigo. - Afirmei.

- Sim, sim. Está aqui no seu cadastro. Quero apenas confirmar os horários, pode ser?

- OK! Você disse que são quatro candidatas, não é? Deixe-me ver os melhores horários.

- Bem. Na verdade, são três candidatas e um candidato. Trata-se de um rapaz de vinte e três anos. Ele já trabalhou em casa de família, tem ótimas referências e nos pareceu muito apto para o serviço, por isso resolvemos incluí-lo na sua lista. Tudo bem para o senhor? - Havia algo na voz dela, enquanto justificava a inclusão do rapaz, que me soou um pouco estranho. Ou meu sexto sentido estava enganado ou havia alguma coisa de esquisito com esse rapaz.

- Se vocês o avaliaram com os parâmetros que eu te passei e, acham que ele tem condições, por mim tudo bem. - Respondi.

- Sim, sim. Fizemos como nos foi pedido. - Assegurou, ela.

O sábado amanheceu preguiçoso com uma garoa fina e um friozinho fora de época, por isso consegui que todos estivessem em casa para entrevistarmos as candidatas. Duas foram descartadas logo de cara, talvez fossem competentes no trabalho, mas não inspiraram a menor empatia em nenhum de nós. A outra tinha muita chance, embora o fato de não querermos que a funcionária ocupe o quarto de empregados, estivesse pesando na decisão. Ela alegara morar muito longe para ficar se deslocando diariamente, embora essa tivesse sido uma das nossas recomendações à agência. Ficamos de pensar e dar um retorno. O último a ser entrevistado foi o rapaz. Chamava-se Josival. Assim que eu abri a porta para atendê-lo, consegui compreender aquela apreensão na voz da Carina. O cara era um pouco gordinho, usava umas calças tão justas que eu me perguntei como foi que ele entrou nelas, e uma camiseta com apliques que mais parecia um traje de palco de algum artista brega. O 'boa tarde' dele soou como o miado de uma gata no cio empoleirada num telhado a chamar os machos. A entrevista com ele não deixou de ser divertida. Apenas o Beto e o Tiago se mostraram arredios e vetaram a contratação logo de cara. Pedi que ele aguardasse nosso contato para tomarmos uma decisão mais racional, sem o impacto da presença daquela figura ímpar.

- Como a agência pode mandar um viado desses? - Questionou o Tiago assim que nos despedimos, achando graça e imitando alguns dos trejeitos do rapaz.

- Não estou a fim de ficar falado no condomínio. - Acrescentou, justificando seu veto.

Roberto O Hétero Convicto (ROMANCE GAY) ●CONCLUÍDO●Onde histórias criam vida. Descubra agora