Gatilho

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Gosto de acreditar que todos temos algo que nos motiva a continuar. Sabe aquilo faz você pensar "não sou um desastre completo"? O único capaz de me causar isso, por muito tempo, foi um pedaço de papel qualquer. Na verdade, não era o produto da celulose e sim o que eu conseguia esboçar nele. Mas eu pensei que amar demais alguma coisa significava se tornar dependente. E quem poderia me dizer o contrário? Alguma folha que formasse frases sem mim? Acho que não. Então a consequência não foi a dependência e sim a crença nela. Acreditei que a escrita me dominava, quando somente eu segurava caneta.

Começou quando tinha treze anos e tive uma paixonite platônica por um garoto da escola

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Começou quando tinha treze anos e tive uma paixonite platônica por um garoto da escola. Elaborei um plano perfeito para me declarar, que envolvia ficar escondida e deixar que minha amiga fosse até ele. Escrevi um bilhete confessando o que sentia e perguntando se era recíproco. Meu recadinho foi lido por toda a roda de amigos dele, o que é no mínimo assustador. Mas ele sequer mandou um deles para responder minha pergunta. Então descobri que o silêncio pode falar bem alto. Porém, preferi comprovar pessoalmente. Fui até ele, com outra cúmplice, e em poucos segundos escutei a tão esperada resposta: NÃO.

Levei uns minutos para processar, entender o que realmente tinha acontecido. Esse foi meu primeiro fora e eu nem cheguei a falar de verdade com o garoto. Meu maior arrependimento não foi a vergonha que senti, mas saber que tinha me escondido. Eu escondi minha paixão com papel e caneta, chamei uma mensageira e fiquei bem longe: essa foi minha estratégia de sedução. Se ele respondesse que sim, meu próximo passo seria escrever uma carta? Parece ridículo, cômico ou até comum para uma pré-adolescente iludida. Mas na época foi um trauma que eu não consegui superar, pensei que nunca mais faria algo parecido. E fiquei só no pensamento.

Três anos depois, em pleno ensino médio, escrevi um texto para o menino que gostava. Podem notar uma certa evolução? De bilhete de papel para texto nas notas do celular, a adolescência me deu espinhas e maior propensão a quebrar a cara. Foi uma cena engraçada: já que eu não podia entregar meu celular e sair correndo, fiquei do lado esperando. Ele leu muito rápido, ou seja, deve ter parado no segundo parágrafo. Porém, sei que chegou na parte onde revelei meus sentimentos. Mas nada mudou. Eu não pedi que marcasse algo na tela do meu motoG, ou que respondesse de alguma forma. Quando recebemos esse tipo de notícia o mais comum é dizer se a recíproca é verdadeira e, mais uma vez, não recebi o retorno. Lembrei do que aprendi antes sobre o significado do silêncio e nunca perguntei a ele sobre o assunto.

Depois desse dia eu decidi que não valia a pena escrever, eu tinha passado do limite. Advinha como cheguei a essa conclusão? A, eu escrevi. Em um caderno na minha gaveta tem a prova do crime — um texto dramático contando como fui ingênua e que precisava de um tempo pra mim. Não sei quantos dias, semanas ou meses realmente fiquei sem escrever. Só sei que, quando acabou, percebi que não era amaldiçoada por tranformar sentimentos em palavras. Claro que nem todos poderiam ler o que sinto, ou corresponder da forma que gostaria. Mas nunca foi esse o objetivo. Escrever sempre foi uma questão de expressão, a arte de respirar versos, e é assim que eu gostaria que fosse. 

Então se em algum momento senti raiva, ódio, amor ou paixão... Não importa. Como eu mudei essas emoções e passei para a tela do notebook é o que conta. E agradeço a cada pessoa que passou pela minha vida só para ser o gatilho de um texto, é muito mais importante do que imaginam.

Quando não posso falarOnde histórias criam vida. Descubra agora