Capítulo 2

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Minha cozinha. Eu já disse que a cozinha é um sonho? Enorme, toda trabalhada no luxo, completamente organizada, limpa, arejada, espaçosa, perfeita.

- Bom dia, senhor. - Entro na sala de jantar já sabendo que em algum lugar da escuridão, ele esta escondido. Depois de duas semanas, já temos uma rotina.

- Bom dia, Isabella. - Oh, eu nao deveria amar tanto como meu nome soa em sua voz baixa e rouca.

- O dia esta lindo, chuvoso, nublado, maravilhoso. Vou fazer meus deveres e depois fazer um chocolate quente, o senhor ira querer? É um dia ótimo para chocolate quente, livros e uma lareira. O senhor tem lareira no quarto?

- Sim. - Sua voz sempre baixa. Mas como sempre da o mesmo efeito, é como se ele estivesse sussurrando em meu ouvido.

Eu deveria me punir, isso sim.

- Adoro lareiras. Tem livros também? - Digo colocando o último prato na mesa. - Estou lendo um da sua biblioteca. O Duque. Maravilhoso. Estou terminando. Depois vou deixar o senhor ler, tem livros ótimos lá.

- Tenho alguns no quarto. E obrigado pelo elogio sobre a biblioteca, os livros era da minha mãe. - As vezes ele solta coisas assim. Me sinto ate surpresa.

- Já que esta tão comunicativo, pode me dizer porque de tantas xícaras? - Pergunto realmente curiosa. Tem centenas, não milhares de xícaras guardadas em um dos armários da cozinha. Diversos tamanhos, formas e preços.

- Meu bisavô era apaixonado por elas. Deixou de herança. - Ele resmunga de algum canto. Esse homem vive resmungando.

- Que coisa mais fofa. Já o amo. Amo velhos. Me julgue! - Exclamo porque é isso que as pessoas fazem. - Enfim, eu me divirto muito tomando meus cafés, chocolates e chás nelas. Cada dia uma diferente. - Depois de abrir a boca e não fechar mais, me repreendo. Acabei de confessar que uso as xícaras que seu bisavô deixou como herança? Direto para o dono delas? Deus, eu sou muito patética. - É agora que me demite?

- Não. Ainda não. - Eu sempre sei a resposta, e sempre acho a ela poderia vir com um sorriso, mas nunca sinto.

Se ele deixasse apenas uma frestinha de luz entrar...

- Vou deixar o senhor comer em paz. Bom apetite, prove o bacon, ficou ótimo. Crocante e suculento. Eu já comi umas cinco fatias. Tenha um bom dia, até o almoço, senhor Kael. - Sorrio e vejo a porta.

As poucas vezes que vi seu Kael, foram nas refeições, na sala de jantar, com tudo escuro. O homem é o Batman versão caseira.

Nunca o vi realmente. Sua voz continua a me fazer quente, desejosa, é uma voz e tanto, mas nada mais que isso. As coisas aqui são tranquilas, limpo minha bagunça, como minha comida, faço o que tenho que fazer, e as vezes converso rapidamente com o jardineiro.

O senhor que aceitou o emprego é um amor. Super simpático, Frederico é um sonho de marido, se eu tivesse sessenta anos, investiria forte. Falei para ele, o homem riu.

Senhor Frederico lembra meu pai, minha única família, morreu a dois meses atrás. Os dois tem muito em comum, são apaixonados por rosas, alegres, atenciosos, meigos, engraçados. Não se pegam a regras. Como eu.

- O senhor é muito sem vergonha por estar roubando minhas rosas! - Resmungo quando vejo ele tirar mais uma e começar a cortar os espinhos. É a terceira essa semana.

- E a senhorita é muito cara de pau em me repreender, esta com inveja da minha mulher. - Diz sorrindo e ainda concentrado na rosa. Dou de ombros sem olhar para ele.

- Estou mesmo. - Ele ri da minha cara de desiludida.

- Aqui. - Ele me estende a rosa recém moldada. Agarro ela e puxo contra o peito.

- Obrigada por me dar uma rosa do meu jardim. - Resmungo segurando o sorriso.

- Me devolve, mal agradecida. - Rimos juntos.

Tudo é muito calmo aqui. Nenhum barulho nunca, a não ser quando estou cozinhando, ou limpando, ou tomando banho, ou lendo algum livro, ou... ou quando eu começo a cantar como uma pop star no meio da cozinha.

Senhor Kael nunca reclamou quando temos nossos encontros as cegas, então acho que nunca escutou. O que acho bem provável, o lado leste da mansão é proibido, é onde fica seu quarto, o escritório, suas coisas, e é bem afastado do resto da mansão. Pesquisei, fui atrás das plantas da casa, e achei. Muito espaçosa, como achava, linda. Perfeita.

Seu Frederico esta cuidando muito bem das rosas, pedi para ele inovar. Plantar flores diferentes, mas ele disse que o solo é perfeito para as rosas, então ficou assim. Amo elas. E nem me importo delas não serem realmente minhas, eu as amo com todo meu coração, não tenho nada na vida, então posso amar algo que estava abandonado e cultivar como minhas, e mais, deixam um cheiro apaixonado pela casa.

Me lembram a casa onde cresci, onde vivi junto com meu pai, e a um mês, vendi para recomeçar. Papai ficaria orgulhoso em saber que não me apego a bens matérias, e sim as lembranças vividas. Que sou capaz de ir, mas nunca esquecer. 

Senhor Kael nunca reclama de nada, nunca fala muito, não que eu converse com ele, não, apenas o essencial. O raso mesmo.

As vezes arrisco e coloco um pedaço de alguma torta ou sobremesas que fiz, na mesa. Ele sempre come. Ainda bem que não é alérgico a nozes. Coitado.

Mas... Kael Varzim é um mistério. Não fui atrás de saber mais dele, acho que seria muito irritante se eu bisbilhotar sua vida. Sei o necessário para uma governanta. E, ok. Mas que ele me deixa inquieta, ele deixa. As vezes acho que estou sendo vigiada, aquela sensação estranha de olhos em cima de você. Mas sei que estou segura na casa, ou na propriedade. Muito bem segura e vigiada. Tem uma equipe de seguranças, câmeras, alarmes, e um mundo de coisas que não tenho ideia. Contratei a melhor e mais cara agência de segurança no país.

Tenho até medo de falir o senhor Kael. Disse isso a ele outro dia.

- Contratei uma agência de segurança, o terreno é enorme e estava na pasta MCP. - Na mesma hora me repreende, mas não sinto nenhuma reação vinda dele, que esta em algum lugar na escuridão da sala. - Tenho até medo de falir o senhor com tanto que gasto.

- Não se preocupe. Tenho dinheiro o suficiente, e andei conferindo a conta, não gasta nada com futilidades. Apenas o necessário. - Ah essa voz rouca e baixa.

- O senhor disse que era o dinheiro para a casa, compro sempre o que a casa precisa. Mentira! Esses dias comprei um vasinho de flores, por que achei bonito. - As vezes acho que escuto um leve som abafado de riso quando falo demais, mas sou bem carente, então sempre acho que é loucura minha. - Ok! Bom apetite, tome todo o suco, noite passada você deixou metade do copo.

Eu coro furiosamente. Eu realmente repreendi meu chefe!?

- Agora é a hora que me demite? - Pergunto antes de deixar a sala.

- Não. Ainda não.

E pela primeira vez, eu pude sentir um sorriso em suas palavras.

É estranho. Eu não o vejo, não sei como é seu rosto, mas sua voz me deixa bamba, e consigo saber quando esta ansiosa, apreensivo, focado, pensativo... Conheço cada tom de sua voz. E isso é tão estranho, quanto assustador. 

Balanço a cabeça afastando esses pensamentos.

Mas no fundo eu sinto como se estivesse criando, não sei, uma amizade, com o senhor Kael.

Uma amizade estranha, fantasiosa e maluca. Mas fazer o que, sou dessas.

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