[ATENÇÃO: Este capítulo pode ser um gatilho para aqueles que se identificarem com: assédio, violência sexual, violência doméstica e vícios de forma geral. Caso decida não ler, ao final do capítulo estará escrito um resumo do acontecido, de forma sutil. Ainda sim, apesar de ser importante no desenvolvimento, os fatos discorridos aqui podem ser pulados, caso seja da sua preferência.]
-
I know that you got daddy issues.
Eu sei que você tem problemas com seu pai.
Quando ela segurou minhas mãos por medo, pensei que ela tivesse problemas na família, mas estava convicto de que o problema no qual estávamos envolvidos resultasse em algo além de uma briga ou de um sermão. Como eu estava errado. Seus problemas saiam do básico, passavam pelo difícil e ultrapassavam o complexo. Quão tolo eu fui, em pensar que conhecia os seus problemas.Seu pai era, basicamente, um monstro. Segundo Violet, ele expulsara sua mãe e seu irmão de casa, justificando que sua esposa fazia muito barulho ao apanhar. Eu não acreditei, de início. Nenhuma pessoa faria isso; ninguém, ao menos, diria isto. Mas ele não era apenas um pai bêbado problemático, ele era o pai bêbado compulsivo agressor, e, pensando que ela vivia sozinha com ele, esta deve ter sofrido muito. Eu deveria ter observado-a mais vezes.
E, em meio a lágrimas, encerrou o silêncio que havíamos estabelecido. Minha mente estava a mil, mas não era nada comparado ao caos que se estabelecia na garota em minha frente.
"Houve uma vez" - fez uma pausa, como se buscasse por mais ar - "Eu estava saindo de minha antiga escola e alguns homens chegaram em mim com um saco de papel grampeado. Disseram que era para que eu entregasse a meu pai e que era de extrema importância, mas quando abri o pacote, eram diversas drogas das quais não conseguiria dizer-te os nomes." - olhou para os lados, conferindo se outro alguém escutava seu desabafo - "Eu não pensei duas vezes, joguei o pacote no lixo. Meu pai já é louco apenas sob o efeito de álcool, e, dá-lo qualquer coisa que não seja uma aspirina e café é algo que considero como suicídio."
Seu olhar parecia vazio, mas não significava nada quando eu a olhava por completo. Seus pés, calçados por All Stars amarelos desgastados, balançavam constantemente, e seus braços idem.
"Eu tremia, aterrorizada, ao pensar nas consequências de meu ato de rebeldia, porém fiz mesmo assim. Apenas não contava que, ao chegar em casa, meu pai estivesse me esperando para que eu lhe entregasse as drogas. Pensei que levariam alguns dias entre a comunicação dele com o seu fornecedor, mas não foi o caso. Ele me ameaçou e jogou alguns objetos em mim, e, como nessa época já morávamos sem minha mãe e irmão, me vi em uma cilada. Os cacos de vidro espalhados pelo chão, pingos de sangue e restos de uma estátua de metal caracterizavam o chão da sala, que mais parecia uma cena de crime. Eu estava transtornada. A última vez que meu pai tinha feito isso comigo tinha sido a 6 anos, e ele havia jogado um prato de plástico, não um vaso e uma estátua."
Eu a observava com atenção. Buscava os seus olhos, procurando por lágrimas e, em seus lábios, suspiros, mas tudo que encontrava eram olhares perdidos, e, principalmente, vazios.
"Logo, fugi para meu quarto e me tranquei, onde peguei alguns pertences, coloquei-os na minha mochila e resolvi que fugiria. Entretanto, quando estava saindo pela porta dos fundos, meu pai me viu e me perseguiu. Ele me olhava de uma forma estranha e parecia ter outras intenções se me encontrasse para além de me pôr de castigo. Seus olhos estavam carregados e seu rosto carregava um sorriso aterrorizante. Eu, apavorada, corri o mais rápido que pude, e graças ao fato dele nunca estar sóbrio, não conseguiu me alcançar. Corri cerca de 2 horas até que encontrei uma pracinha na qual eu poderia ficar. Mas, como já era meia noite, um grupo bêbado de homens passou pela mesma praça."
E, escutando-a, eu segurava as lágrimas que surgiam nos cantos de meus olhos. Não sei se gostaria, e principalmente, se estava pronto para escutar o que eu pensava que estava por vir. Hoje sei. Nunca ninguém estará pronto para ouvir uma história como esta, mas principalmente, vivê-la.
"Eu fiquei extremamente assustada, me encolhendo e parando até de respirar por alguns segundos para que não me vissem ou ouvissem. Contudo, não adiantou, uma vez que vieram em minha direção, cambaleando e dizendo coisas impublicáveis para mim. Eles chegaram no meu banco, me cercaram e começaram a me tocar. Eu fiquei com medo, não sabia o que fazer. Eu sei que poderia ter gritado, batido neles, mas eu não consegui reagir, parecia que quanto mais eles passavam a mão em meu corpo, mas fraca ficava minha voz e mais cansado meu corpo se tornava. Apenas quem passou por situações assim sabe a dor que é se sentir impotente. Sua voz, parece ser tomada, e é como se tudo o que você pudesse sentir é um vazio em meio a um tempo congelado. O grupo, não satisfeito com apenas passarem as mãos em mim..."
Oh, não...
"Decidiram ir mais fundo. Foi o pior momento da minha vida. Logo que eles acabaram, eu me encontrava dolorida, me sentindo usada e um completo lixo. Eu tinha acabado de ser abusada ao fugir de um abuso. O quão irônica é a minha vida."
And if you were my little girl
I'd do whatever I could do
I'd run away and hide with you
Se você fosse minha garotinha
Eu faria tudo o que pudesse
Eu fugiria e me esconderia com você
"Eu não sei o que dizer, apenas que, enquanto eu estiver aqui, você estará segura." - disse envolvendo-a em meus braços.
Eu sabia que nada que eu falasse faria daquela situação melhor. Ela não parecia sentir, e isso me preocupava em tantas maneiras que até hoje, não sou capaz de explicar. Como alguém poderia relatar tamanha tragédia, sem, sequer, derramar uma lágrima? O quão quebrada Violet estava?Ficamos naquela posição por vários minutos, até que chamaram-nos para que entrássemos na aula.
I love that you got daddy issues
And I do too
Eu amo que você tenha problemas com seu pai
E eu também tenhoTalvez ela pensasse que eu não era capaz de a compreender, mas, assim como todas as pessoas, eu tinha tantos problemas quanto ela. Podiam não ser tão graves, mas a vida não havia sido tranquila comigo até aquele momento. A vida nunca é tranquila para ninguém. Mas, apesar de todas as feridas, eu estava lá. Estava pronto para ajudá-la, compreendê-la e amá-la.
-
[RESUMO: Violet relata um episódio em que seu pai a maltrata e é abusada por outras pessoas. Declan a abraça. Violet não derrama, sequer, uma lágrima ao contar a história, o que preocupa Declan.]
VOCÊ ESTÁ LENDO
daddy issues [the neighbourhood]
Romancebaseada na música "daddy issues" da banda the neighbourhood. NO COPYRIGHT INTENDED! finalizada em: nov/2018 revisada em: out/2020 ATENÇÃO! TW / morte, violência doméstica, abuso sexual