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Às dez da manhã, quando entrei timidamente no escritório, Jota Cê levantou-se e deu a volta
na mesa para fechar a porta.

Sentei na cadeira giratória diante da minha máquina de escrever, de frente para ela, e ela sentou-se em sua própria cadeira giratória, numa escrivaninha de
frente para mim. Uma janela cheia de vasos de planta, espalhados por várias prateleiras, se erguia atrás dela como um jardim tropical.

- Você tem algum interesse pelo seu trabalho, Esther?

- Sim, sim - eu disse. - Tenho muito interesse. - Eu tinha vontade de gritar as minhas respostas, como se aquilo fosse fazer com que eu soasse mais convincente, mas me contive.

Passei a vida dizendo a mim mesma que o que eu queria fazer era estudar, ler, escrever e
trabalhar feito uma louca, e isso realmente parecia ser verdade - eu fiz as coisas direitinho e
tirei A em tudo, e quando cheguei à universidade não havia nada que pudesse me deter.

Eu era a correspondente universitária do jornal da cidade, editora de uma revista literária, secretária do Comitê de Honra - uma instituição bem popular, que lidava com delitos acadêmicos e sociais e suas punições -, tinha uma conhecida poeta e professora
fazendo lobby para que eu conseguisse uma vaga na pós-graduação das maiores universidades da Costa Leste, com promessas de bolsas integrais até o fim do curso, e agora era assistente da melhor editora de uma revista intelectual de moda - e o que eu havia feito senão ficar empacada feito uma pangaré?

- Eu tenho muito interesse por tudo. - As palavras caíram sobre a mesa de Jota Cê com um barulho oco, feito moedas falsas.

- Fico feliz em saber - disse Jota Cê num tom ligeiramente irritado. -

Você pode
aprender muito neste mês na revista, sabe. Basta arregaçar as mangas. A moça que estava aqui
antes de você não ligava muito pra desfiles de moda. Ela saiu daqui direto para a revista
Time.

- Nossa! - eu disse, no mesmo tom sepulcral. - Que rápido!

- Claro que você ainda tem outro ano na universidade - continuou Jota Cê, agora um
pouco mais calma. - O que você planeja fazer depois de se formar?

O que eu sempre achei que planejava fazer era conseguir uma boa bolsa de estudos para
a pós-graduação ou para estudar na Europa. Depois eu imaginava que seria professora
universitária e escreveria livros de poemas, ou escreveria livros de poemas e seria algum tipo
de editora. Normalmente eu tinha essas respostas na ponta da língua.

- Na verdade não sei - eu disse.

Senti um choque profundo ao me ouvir dizer aquilo, porque soube, no instante em que falei, que era verdade.

Soava como uma verdade, e eu a reconheci do jeito que você reconhece uma pessoa que
rodeia a sua porta durante séculos e um belo dia aparece e diz que é seu pai verdadeiro, e ele é tão parecido com você que você sabe na hora que ele é mesmo seu pai e que a pessoa que você achava que era o seu pai é um impostor.

- Na verdade eu não sei.- Você nunca vai chegar a lugar algum desse jeito - disse Jota Cê, e fez uma pausa. - Quantas línguas você fala?

- Ah, eu leio um pouco de francês e sempre quis aprender alemão. - Fazia uns cinco
anos que eu dizia às pessoas que sempre quis aprender alemão.
Minha mãe falava alemão quando era pequena, e durante a Primeira Guerra as crianças
da escola jogavam pedras nela por causa disso. Meu pai, que também falava alemão e morreu
quando eu tinha nove anos, veio de um vilarejo deprimente no coração da Prússia. Naquele
exato momento meu irmão mais novo estava fazendo intercâmbio em Berlim e falava alemão
feito um nativo.

A Redoma de Vidro ( em edição)Onde histórias criam vida. Descubra agora