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Ficamos presas no trânsito - era a hora da saída dos teatros.

Nosso táxi estava bem atrás do
táxi de Betsy e na frente de um táxi com outras quatro garotas. Nada se movia. Doreen estava linda. Vestia um tomara que caia de renda branco fechado sobre um corpete que espremia sua cintura e dava um volume espetacular a seus peitos e quadris. Sua pele tinha um brilho acobreado sob o pó de arroz, e seu cheiro era mais forte que o de uma loja de perfumes.
Eu estava com um vestidinho preto de xantungue que havia me custado quarenta dólares,
resultado de um surto de consumismo que tive com o dinheiro da minha bolsa quando soube que estava entre as sortudas que iriam a Nova York. O vestido tinha um corte tão esquisito que eu não podia usar sutiã com ele. Não que isso importasse muito, já que eu era magra e reta como um menino e adorava me sentir quase pelada naquelas noites quentes de verão.A cidade, porém, havia tirado o meu bronzeado. Eu estava amarela feito um chinês. Eu normalmente ficaria insegura com meu vestido e minha cor esquisita, mas a companhia de Doreen me fazia esquecer essas preocupações. Ao lado dela eu me sentia esperta e cínica como o diabo.
Quando o homem vestindo camisa xadrez azul, calça preta e bota de couro trabalhado
começou a andar na nossa direção, saindo debaixo do toldo listrado do bar de onde estava
espiando nosso táxi, tive certeza: ele vinha por causa de Doreen.

Ele abriu caminho entre os
carros parados e se apoiou sedutoramente na janela aberta do nosso táxi.
- Posso saber o que duas garotas tão bonitas estão fazendo sozinhas num táxi numa noite
agradável como esta?

Ele tinha um sorriso grande e largo, desses de anúncio de pasta de dente.
- Estamos indo a uma festa - deixei escapar, já que Doreen havia subitamente ficado
muda feito um poste e agora, com o maior ar blasé, passava os dedos pela renda branca que
cobria sua bolsinha.

- Não parece muito promissor - disse o sujeito. - Por que vocês não vêm tomar uns
drinques comigo naquele bar ali? Tenho alguns amigos esperando.

Ele fez um gesto na direção de vários homens refestelados sob o toldo, vestidos
informalmente.

Eles estavam observando a cena, e quando ele olhou para eles, começaram a gargalhar.
As risadas deviam ter me alertado. Era um risinho baixo, do tipo sabichão, mas o trânsito
deu sinais de estar voltando a andar, e eu sabia que, se não fizesse nada, em dois segundos
estaria arrependida por não ter aproveitado essa oportunidade de ver uma Nova York diferente daquela que o pessoal da revista tinha preparado com tanto cuidado para a gente.

- O que você acha, Doreen? - perguntei.

- O que você acha, Doreen? - perguntou o homem, abrindo seu grande sorriso.

Até hoje tenho dificuldade de visualizar a cara dele sem o sorriso. Acho que ele devia sorrir o tempo inteiro. Devia ser normal para ele, rir daquele jeito.

- Tá bom - disse Doreen. Abri a porta. Saímos do táxi quando ele voltava a se mover e começamos a caminhar para o bar.

Ouviu-se um chiado horrível de freio, seguido por uma pancada abafada.

- Ei, vocês! - Nosso taxista estava com o pescoço para fora da janela, roxo de raiva.
- Quê que cês acham que tão fazendo?
Ele tinha freado o carro tão abruptamente que o táxi que vinha atrás bateu na traseira
dele, e dava para ver as quatro garotas gesticulando e se debatendo lá dentro.

O homem deu uma risada, foi até o taxista e lhe deu o dinheiro, em meio a uma confusão
de gritos e buzinas, e então vimos as garotas da revista se afastando em fila, um táxi depois do outro, como uma festa de casamento em que todas as convidadas fossem damas de honra.

- Chega aí, Frankie - disse o homem para um dos amigos que estava no grupo, e um sujeito baixinho e carrancudo entrou no bar com a gente.

Era o tipo de cara que eu não suporto. Descalça, tenho mais de um metro e setenta, e
quando saio com homens pequenos tenho que me inclinar um pouco e dar uma entortada nos quadris para parecer mais baixa. Fico me sentindo desajeitada e defeituosa, como se fosse uma atração de circo.
Por um minuto tive a esperança de que os pares iriam se formar de acordo com o tamanho de cada um, o que me colocaria com o homem que foi até o táxi falar com a gente, já que ele tinha pelo menos um metro e oitenta, mas ele seguiu com Doreen e nunca mais olhou para mim.

A Redoma de Vidro ( em edição)Onde histórias criam vida. Descubra agora