Molhei meus dedos na lavanda morna que uma garçonete da Ladies' Day havia colocado no
lugar dos meus dois pratos vazios de sorvete.Então sequei cada dedo cuidadosamente com
meu guardanapo de linho, que ainda estava bem limpo, dobrei-o e levei-o à boca, pressionando meus lábios contra ele. Quando o devolvi à mesa, o vago e rosado contorno dos meus lábios se destacava bem no meio do guardanapo, como um coração diminuto.Pensei no longo caminho que eu havia percorrido até ali.
A primeira vez que vi uma lavanda foi na casa da minha benfeitora. Era um costume na
universidade, me contou a mulherzinha sardenta do Departamento de Bolsas de Estudo, escrever à pessoa que dera a sua bolsa e, se ela ainda estivesse viva, agradecer a ela.Minha bolsa havia sido concedida por Philomena Guinea, uma escritora rica que havia estudado na universidade no começo do século XX e cujo primeiro romance havia virado um filme mudo com Bette Davis, além de uma radionovela que ainda estava no ar. Descobri que ela estava viva e morava numa grande mansão perto do clube de campo onde meu avô
trabalhava.Então escrevi uma longa carta para Philomena Guinea, em tinta preta sobre um papel cinza timbrado com o nome da universidade em vermelho.
Escrevi minhas impressões sobre as folhas do outono quando andava de bicicleta nas colinas, e como era maravilhoso morar num campus universitário em vez de ter que viver em casa e ir de ônibus a uma escola técnica, e como o mundo do conhecimento estava se abrindo diante dos meus olhos e talvez um dia eu fosse capaz de escrever grandes livros como ela.
Eu tinha lido um dos livros da sra. Guinea na biblioteca pública - por algum motivo a
biblioteca da universidade não tinha nenhum - e ele estava abarrotado de perguntas longas e cheias de suspense, tipo "Seria Evelyn capaz de perceber que Gladys conhecera Roger no
passado? - perguntava-se fervorosamente Hector" e "Como poderia Donald casar-se com
ela quando sabia da pequena Elsie, escondida com a senhorita Rollmop numa distante fazenda
no interior? - indagava Griselda a seu frio travesseiro sob a luz do luar".Esses livros renderam a Philomena Guinea, que depois me diria que fora uma péssima aluna na faculdade, milhões e milhões de dólares.
A sra. Guinea respondeu à minha carta e me convidou para almoçar em sua casa. Foi lá
que vi minha primeira lavanda.
Algumas flores de cerejeira flutuavam sobre a água, e eu achei que aquilo devia ser
algum tipo de sopa japonesa de efeito digestivo. Comi tudo, incluindo as florezinhas. A sra.
Guinea nunca falou nada, e foi só muito mais tarde, quando contei sobre o jantar a uma caloura
na universidade, que descobri o que eu tinha feito.