Vinte e Cinco

25 3 0
                                    

  Tive o que chamei de pior almoço da minha vida. Enquanto minha preocupação era com minha filha e meus pais no hospital, saí para almoçar com Fábio, Diego e o contador.
  ‎Para começo de conversa, já acho idiota ele ser minoria e termos que conversar na língua dele. O imbecil que devia ter aprendido a falar português, não precisaríamos nós três termos estudado inglês.
  ‎"Estudado". Fiz inglês com meu irmão a vida toda. Matava as aulas e vivia de copiar dele. Quando passei para a faculdade no exterior, me vi obrigada a aprender na marra. Por sorte, minhas amizades eram imigrantes também e ainda tinha Diego ali, uma série na frente. Mas o inglês para mim nunca foi fácil e nunca gostei, então acho torturante uma conversa assim.
  ‎O cara, que não fiz questão de gravar o nome, ficava me fazendo perguntas inconvenientes durante toda a refeição sobre a empresa. Minha paciência estava acabando, quando busquei apoio nos olhares de meu namorado e meu irmão. Por sorte, Diego interveio e deixou claro que certas coisas eu só responderia para o meu patrão, caso ele quisesse.
  ‎  Pedimos a conta e peguei na minha bolsa um cartão que deixo separado de tudo. Falei em português, não fiz questão que o outro lá entendesse.
  ‎ -Diego, paga pra mim? Vou lá fora tomar um ar.
  ‎-Porque você acha que deixaria pagar sozinha?
  ‎-Não estou pagando. Esse cartão é da empresa. É meu próprio patrão que está pagando isso.
  ‎Ele sorriu e pisquei. Antes de levantar, peguei a mão de Fábio. Ele apertou-a.
  ‎-Quer que eu vá contigo?
  ‎-Eu ia pedir exatamente isso.
  ‎Saímos do restaurante e sentamos juntos em um banco do pequeno jardim na frente. Respirei fundo.
  ‎-Não gostei do jeito que ele estava te tratando. Queria poder socar aquela cara de idiota sem que você fosse demitida.
  ‎-Eu te chamei aqui porque quero te falar uma decisão minha.
  ‎-O quê?
  ‎-Vou me demitir.
  ‎-Tatá! Não. Você perdeu anos pra chegar onde chegou, não é justo. Esse problema vai acabar logo.
  ‎-Os últimos acontecimentos me fizeram repensar muita coisa. Você reclamou que perdeu coisas da infância da Danda, mas foi por que não deu. Eu perdi as coisas mais importantes dela por que estava trabalhando. Quando ela ficou em pé, foi minha cunhada que viu. Quem buscou ela na escola no primeiro dia foram meus pais. A primeira reunião com professora a minha mãe que foi sozinha. E agora eu quase perdi a minha filha.  Não quero mais essa vida, estou certa disso.
  ‎-Mas o que você vai fazer, Teitei? Seu talento com essa área é incrível, e acho injusto pensar em te ver aposentada agora.
  ‎-É a minha chance de aproveitar o que já sei e inaugurar minha marca. Porquê não? Pode dar certo.
  ‎-Claro que pode,Teitei. Eu ia falar que você deveria pensar um pouco, mas se acha que trabalhar lá te faz infeliz... Só temos que resolver essa questão primeiro.
  ‎-Sim, com certeza. Eu tenho certeza que foi um dos acionistas. Sabe, vou estudar isso hoje de tarde.
  ‎-Vou adorar te ajudar nisso. Mas claramente você já tem uma lista de suspeitos.
  ‎-Lista? Eu tenho um top 3.
  ‎Fábio riu e sorri, o abraçando.
  ‎-Te amo, Fabinho.
  ‎-Opa. Memorizem isso aqui, alguém?
  ‎-Idiota. Eu já falei isso antes e você sabe.
  ‎-Estou implicando com você, coisinha. Também te amo.
  ‎-Chato.
  ‎Meu irmão nos encontrou acompanhado ainda daquele cara. Chamamos um táxi e assim que chegou, o colocamos lá dentro e nos despedimos. Me apoiei em Fábio e tirei o salto.
  ‎-Tatá!
  ‎-Olha as bolhas no meu pé. Está queimando até mesmo em baixo. Estava doida pra ele ir logo e eu poder tirar.
  ‎-"Poder". Agora você está descalça nessa calçada limpíssima.
  ‎-Não enche, Diego. O que você achou do cara?
  ‎-Um babaca, sem dúvida.
  ‎-Ok. Não resta um pingo de incerteza que ele só veio para foder com minha carreira. Preciso me livrar dele. Já acho que sei como matar todos esses problemas.
  ‎-Bom te ver animada com isso. Vamos no hospital agora?
  ‎-Por mim, sim. Mas podemos passar na escola da Danda antes? A coordenação me pediu para ir buscar  uns livros para ela não se atrasar demais em relação às  outras crianças.
  ‎-Ok, passamos lá então.
  ‎-Fabinho, você vai com a gente? Se vier, posso te apresentar a escola da Dandara...
  ‎-Vou, Teitei.
  ‎-Que nojo. Como vocês são grudentos.
  ‎-Isso é ciúme de mim, Diego?
  ‎-Ciúmes, Talita? Pode ficar com minha irmã inteira para você, Fábio. Vou lá pedir o carro.
  ‎Enquanto ele foi pedir o carro, Fábio me puxou para seu abraço. Sorri e beijei seu rosto na ponta do pé.
  ‎-Eu contei para a Alice por mensagem hoje. Ela disse que quer ver você e Dandinha.
  ‎-E o que ela achou disso tudo?
  ‎-Alice te ama, Tatá. Ficou bem feliz. Ela está reformando o quarto do meu sobrinho e pedi para que levasse a designer lá em casa. Quero um quarto pronto para Danda lá em casa o mais breve possível.
  ‎-Minha Dandinha deu tanta sorte com um pai desse.
  ‎-Acho que a sorte dela é com a mãe.
  ‎Sorri e Fábio me apertou em seu braço. Entramos no carro de Diego na parte de trás. Ele nos olhou de cara feia pelo espelho.
  ‎-Falei brincando, hein. É minha irmã mais nova, Fábio. Tô de olho em vocês.
  ‎-Deixa a gente, Diego.
  ‎-Não. Fiquem se agarrando aí que eu passo um relatório com a verdade para nosso pai, Talita.
  ‎Fábio me colocou no banco direito e fechou seu cinto. O olhei de cara feia, enquanto Diego sorria.
  ‎-Fábio!
  ‎-Quê? Tudo que eu não quero é um cunhado e um sogro com raiva de mim.
  ‎-Diego, você me paga.
  ‎Enquanto meu irmão sorria, Fábio pegou minha mão e assim seguimos, até a escola de Danda.
  ‎Na recepção, enquanto uma recepcionista buscava o material que a professora separou, pedi uma cópia do histórico de Danda. Puxei a mão de Fábio e abri a pasta.
  ‎-Olha. Não é a vida dela, mas aqui têm comentários de várias professoras que já cuidaram da Danda. Dá para você saber um pouco mais sobre sua filha agora.
  ‎-Vou ler isso com toda minha atenção. As professoras costumam gostar dela?
  ‎-E tem como não? -Ele sorriu- Estou brincando. Ou não. Enfim. A Danda é muito quietinha, sempre foi.
  ‎-Quietinha? Conheci a menina errada. Eu acho que ela parece uma matraca igualzinho você.
  ‎-Tá, a gente fala um pouco. Mas  é tímida com quem não conhece. E a Danda ainda tem um agravante que ela sente vergonha por ser... diferente. Me entende? Não sei como ela vai estar depois dessa cirurgia, depois das fisioterapias. Mas espero que melhore.
  ‎-Eu não sabia desse detalhe.
  ‎-Quem sabe você muda isso nela. Eu tento de tudo.
  ‎Fábio não falou nada. Sentou no sofá com a pasta e começou a ler as anotações em silêncio. Quando a recepcionista voltou, agradeci e peguei o material de Danda. Chamei meu namorado que ainda lia.
  ‎-Vamos, Fábio. Ela deve estar doida para nos ver já.
  ‎-Claro.
  ‎Ele levantou, mas continuou andando quieto. No meio do caminho, coloquei uma mão em suas costas.
  ‎-Tudo bem?
  ‎-Isso não é justo com ela! A Danda é uma menina de ouro, não tinha que passar por nenhum desses problemas.
  ‎-Eu entendo perfeitamente o que diz.
  ‎-Vou fazer ela se aceitar. Ou não me chamarei mais Fábio Porchat.
  ‎-Tomara que consiga.
  ‎Caminhamos até o carro do meu irmão e tive que tirar o arquivo de Fábio para ele não ler enquanto o carro se mexia. Qualquer coisa deixa essa criatura com dor de cabeça.

Amor & Poder Onde histórias criam vida. Descubra agora