Com quatorze anos, sozinha e com muita fome, a primeira coisa que fiz foi cozinhar. Tentar cozinhar, ou, melhor dizendo, tentar fazer algo para comer, pois não cheguei nem perto de cozinhar. Subi numa cadeira para alcançar o cereal que estava na última prateleira da estante e peguei o leite na geladeira. Tudo com muito cuidado e organização. Sempre tinha em mente que no primeiro sinal de bagunça, minha mãe ligaria e me daria uma baita bronca. Tive essa sensação nas primeiras semanas, até, que um dia, enquanto tentava esquentar no micro-ondas um pedaço de pizza que achei esquecido no freezer, derrubei o suco que estava encima da mesa. Lembro-me de fechar os olhos e me manter imóvel, a espera do toque do telefone, como se no menor movimento, a bronca que estava por vir, fosse ficar pior. Mas não foi assim que aconteceu. Nada aconteceu. O telefone não tocou.
Naquele dia percebi que minha mãe não saberia do suco, a menos que eu contasse. Claro que quando ela ligou, eu não contei.
Essa foi uma experiência de descoberta. Descoberta do quê? Bem, descoberta da independência. Talvez, estar sem a minha mãe, não fosse tão ruim assim. Comecei então e me divertir. Som no último volume. Dormir a hora que eu queria. Comer sem medo de fazer bagunça. Eu estava livre!
Quando a mamãe ligava, eu dizia que estava tudo bem, tudo limpo e que eu estava me alimentando corretamente, seguindo a dieta que ela havia me recomendado, a base de frutas e verduras. Suas ligações eram sempre nos mesmos horários. Uma vez pela manhã, outra pela tarde e uma última a noite. Eu não sabia o que ela fazia no intervalo desses períodos e também não perguntava. Se eu queria manter minha rotina em secreto, nada mais justo que lhe permitir fazer o mesmo.
Os dias seguintes foram os mais divertidos. Filmes, séries e redes sociais. Ah, e comida. Os Transportadores sempre traziam a comida nas segundas-feiras. Na primeira vez que vieram, assustei-me de início. Ver três homens grandes, com macações azuis, máscaras nos rostos e caixas nas mãos, não era comum. Mas, com o tempo, fui acostumando-me. Chamei as segundas-feiras de O Dia Da Comida. Chamei os homens estranhos de Transportadores. Chamo-os assim até hoje.
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LONELY - O último toque de Maya
FantascienzaUm vírus mortal despertou uma anomalia genética em algumas pessoas, transformando-se numa pandemia mundial. A doença é transmitida pelo toque, então, afim de erradicá-la e após metade da população ser extinta, o governo declarou Lei Marcial, proibin...