Risos ao Invés de Lágrimas

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Benjamin

— Queria ser famoso assim algum dia... — Tinha sido a última coisa que disse antes de vê-la roncando.

Então comecei a imaginar: eu sentado num sofá grande e preto, daqueles que três pessoas podem esticar as pernas juntos e deitar a cabeça em qualquer uma das várias almofadas espalhadas; um balde de pipoca na mão, uma televisão de led que ocupa toda a parede, trocando de canal quando de repente escuto minha voz saindo da boca de um esquisito famoso. Deixo no programa e me impressiono pela minha atuação que deixa minha voz quase irreconhecível, como se pertencesse ao próprio ator, e não a mim. Que confortável. E também, por que não estrelando uma peça? Ajoelhado e sozinho num palco de madeira, a cortina vermelha enorme atrás de mim, eu digo "Ser ou não ser..."

Meu celular vibrou nessa parte do devaneio. Observei a menina dormindo, parecendo tão relaxada e saí devagar evitando fazer barulhos, com a intenção de voltar para lhe fazer companhia e ver se estaria melhor. Atendi do lado de fora da sala, era o Kaio, ele disse que o gerente já estava enchendo o saco dizendo que eu estava demorando para voltar do hospital. Pedi para ele responder que eu já estava chegando. Assim que desliguei, ri sozinho... ainda nem tinha saído do corredor do quarto da menina.

Enfim, o restante do dia foi tranquilo. Fiquei mais animado durante o trabalho, como em qualquer outro dia antes daquele estranho acidente. Era bom pensar direito novamente. Tão direito quanto dava para mim.

Não, na verdade por fora era apenas mais uma tarde e noite normais, mas por dentro, eu me sentia diferente e planejava visitá-la no dia seguinte. Não tinha conversado com ninguém ainda sobre o que aconteceu, nem com o Kaio que é meu melhor amigo; de qualquer forma, ninguém parecia desconfiar de nada diferente.

Por que eu não contava? Bem, a moça parecia mais perdida e desconfiada que cego em tiroteio, não achava uma boa ficar falando dela por aí assim. Eu precisava conquistar sua confiança, além de só ter tido uma conversa direita com ela. Da outra vez que fui lá, ela estava dormindo ferrada no sono, e só consegui entregar as flores que tinha comprado. Haviam passado três dias do acidente e ainda nem sabia o nome dela. Na hora que falou que não iria dizer nem seu nome, pensei logo se não estava conversando com uma fugitiva ou procurada do FBI, tipo filme de ação, mas afastei a ideia rápido; inclusive ainda me sinto mal por ter pensado isso.

Às dez da manhã de um sábado, as ruas estavam mais vazias, com poucos carros e poucas pessoas. Talvez o centro da cidade estivesse mais cheio.... pois é, uma manhã de fim de semana em que eu poderia estar dormindo na minha cama quentinha e fofa ou assistindo algum filme ou série na TV, lá estava eu estava andando na rua e em baixo de uma chuva forte. Só não estava encharcado, porque um guarda-chuva apareceu magicamente na minha mochila, já que não lembrava de ter colocado lá e nem sabia que iria chover naquele dia.

Mas nada disso importava naquele momento; estava procurando uma lojinha de comida de qualidade e barata para deixar a menina feliz. Um médico falou que ela já podia comer coisas diferentes, tinha perguntado depois da visita frustrada porque vi um prato de arroz e feijão e umas misturas doidas na mesinha perto da cama dela, aí estranhei.

Depois de mais ou menos uma hora andando, achei uma fábrica de bolos. Admirei pela vitrine giratória. Eram tão bonitos, brilhosos e chamativos e bonitos e atraentes... meu estômago roncou e eu já sentia seu sabor delicioso na minha boca. Chocolate com recheio de morango e coco com dois morangos pequenos em cima. Eu tinha certeza que ela ia gostar, quem não gosta de bolo? Entrei e pedi quatro pedaços para a viagem, ficaram num saquinho todos embrulhados. Porém, no meio do caminho, tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho e ela se chamava "pouco dinheiro para ir para casa se eu for para o hospital". Teria que pedir carona para o meu irmão e aí ouviria a viagem inteira como tenho que ser atento e responsável com meu dinheiro. Sempre sentia como se voltássemos para a minha adolescência quando andava de carro com ele. Pior que dessa vez ainda ia ter que contornar perguntas sobre o fato de estar indo a um hospital. Odeio ser pobre. Respirei fundo tentando aceitar essa triste realidade. Ou andava muito até em casa como fiz no dia do acidente, contudo por causa do choque, eu nem tinha sentido. Mano, como consegui andar quase um bairro inteiro e não caí no chão e nem fui assaltado? Acho isso tudo tão bizarro até hoje, como se eu tivesse ganhado poderes. Porém, dessa vez, sem condições de andar esse tanto. Era carona mesmo.

Estrelas PerdidasOnde histórias criam vida. Descubra agora