Há Pouco Tempo Num Mercado Muito, Muito Cheio

64 28 0
                                    


Os primeiros dias que passei no universo "casa do Benjamin" foram quase mágicos. Só de não estar mais entre paredes vazias devendo manter o máximo de silêncio e fazer diversos exames para lá e para cá, já me sentia extremamente bem. Eu sei da importância disso para minha sobrevivência e nem seria louca de tentar fugir antes de levar alta, mas já estava ficando bem cansadinha nas semanas finais da internação. Ainda bem que só estive na UTI quando cheguei desacordada.

Quer dizer, não que a rotina médica tivesse acabado. Eu tinha que ir basicamente "dia-sim-dia-não" lá, para uma avaliação neurológica e conversa com minha psicóloga. E consulta com dermatologista todo mês para verificar o estado do meu rostinho recauchutado.

Sobre as consultas neurológicas preciso fazer uma ressalva. Que se quebre o ritmo de narrativa; elas valem a pena detalhar! Eu chegava lá sempre no horário marcado, porém, sendo um hospital público brasileiro, infelizmente, precisava esperar bastante para entrar. No começo eu ainda ia no horário,mas depois, com o tempo, fui aprendendo o famoso truque de dar o nome e só voltar umas três horas depois. E não, ninguém ainda tinha passado na minha frente depois desse tempo todo, que eu gastava normalmente caminhando e assobiando.

Enfim, minha expectativa com essas consultas era meio assustadora inicialmente. Iriam colocar uma máquina com aqueles fios de ficção científica sugando meu cérebro para lerem o que se passava nele? O médico iria conseguir ver tudo que eu pensava só de me olhar? Iria realizar algum tipo de hipnose? Nenhuma das alternativas anteriores. Simplesmente, eu sentava em frente a ele apreensiva, enquanto o doutor me encarava com aquela cara de quem já estava de saco cheio; mais uma entre as milhares de pessoas que precisava atender. Me perguntava:

— Tudo bem com você?

— E-eu acho que sim.

— Ótimo.

E antes que eu dissesse mais alguma coisa, pegava um papel e rabiscava a receita dos meus remédios para memória.

— Liberada. Ô, Creuza! Manda vir o próximo infeliz!

É sério. Ele nem ao menos se dava o trabalho de, sei lá, me mandar repetir algumas frases para ver se ainda falava como alguém equilibrada, nem perguntava quantos dedos conseguia ver, ou sei lá, o que se passava na minha cabeça.

Acho que no fundo, o doutor já tinha ideia de que antes do acidente ainda prevalecia um grande nada nas minhas memórias.

— Mas não seria desestimulante da parte dele se fosse isso, minha florzinha? — Suzana me perguntava quando eu a encontrava pelos corredores.

— É desestimulante de qualquer forma.

Das visitas ao hospital, a melhor parte era reencontrar Suzana, Helena e os demais enfermeiros. Acabaram se tornando grandes amigos e sempre tínhamos o papo para pôr em dia agora. Em geral, eles viam meu desapontamento com o neurologista, mas todos diziam que era assim mesmo. Vicente até zoava com a minha cara:

— Você tem que parar de se iRITAr.

Piadas sem graça à parte, até tentamos marcar de nos encontrar algum dia, mas eles sempre tinham a agenda lotada, e pior: quando um estava livre, outro ficava ocupado. O total oposto de mim, que só tinha as coisas da casa do Benjamin para me ocupar.

Esse então, vivia dizendo o quanto estava surpreso pelo tamanho do meu ânimo em cuidar do apartamento logo depois de ter levado alta.

— Você deveria estar em repouso, Rita! — Se o garoto queria um jargão só para si, esse podia virar dele, patenteado e tudo. O número de vezes que falava isso, admirado, era como a quantidade de décimos que se pode haver depois de uma vírgula: infinito.

Estrelas PerdidasOnde histórias criam vida. Descubra agora