Capítulo 4

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     Entrei no quarto e tranquei a porta. Eu vou ir embora desse lugar, não aguento mais essa casa, a escola, as pessoas dessa cidade.

      — Aonde está a mala? Eu juro que deixei em baixo da cama... Será que minha mãe colocou em cima do guarda roupa?

      Dei alguns pulinhos para conferir e... Bingo! A mala velha estava em cima do guarda roupa, bastante empoeirada por sinal.

     Após me equilibrar sob a caixa de gavetas do guarda roupa puxei a mala e em uma missão bem sucedida guardei as poucas roupas que tenho.

     Sair de casa cedo não foi fácil. Meus pais não disseram uma palavra, apenas me deixaram ir. Minha tia me recepcionou alegre e por mais contrastante que a vida em uma metrópole e a vida no interior sejam eu me adaptem ligeiramente, como se pertencesse à São Paulo.

     Os dias frios e chuvosos de inverno logo deram espaço à linda primavera e eu estava indo bem na nova escola, muitíssimo bem.

     O cabelo já não estava opaco e sem cuidados como antes, agora, hidratado e com um corte incrivelmente favorecedor os fios dourados foram tingidos de um preto lindo e de aparência natural.

     As unhas tomaram tamanho e tais como as sobrancelhas estão finalmente sendo bem cuidadas.

     Antes, roupas e sapatos eram apenas o básico, no entanto, as coisas mudaram.

     Comecei do zero, me tornei uma linda borboleta mas não esqueci minhas raízes e nem os objetivos e por isso retornei, periodicamente, ao interior do estado.

     No momento, estou diante da minha "querida" escola. Os alunos me olham com curiosidade e interesse. Mas para a minha surpresa, muitos não me reconhecem.

      Meus olhos detectaram o alvo poucos instantes depois. O mesmo também posou seu olhar em mim e então eu caminhei até estar próxima o suficiente para o cumprimentar:

     — Como vai Daniel? Espero que péssimo.

    Pensei várias vezes nesse momento. Dizem que quando você demonstra raiva é por ainda ter ressentimentos e quando você se ressente significa que não esqueceu. Mas no nosso caso, é bom que ele perceba que não esqueci de nada.

     — Ellen?

     Meu coração, desobediente, reagiu a uma pequena palavra que saiu da boca dele. Porém, eu já aguardava isso. Infelizmente não mando nele.

    — Maria Ellen para você. É um desprazer enorme te rever, mas tenho apostas para ganhar então vou avisar de antemão: se prepara, eu voltei!

     Ele não soube o que dizer após meu retorno repentino e foi assim que nasceu Maria Ellen, a garota mais desejada da cidade. Virei as costas e uma garota baixinha com um sorriso de admiração no rosto encarava a cena.

     Madu. Mantivemos contato enquanto eu estava fora, ela sabia do meu retorno e dos meus planos mais do que ninguém. Vai ser a aventura da nossa adolescência!

     — Vamos juntas contra o mundo!

     Ela anunciou animada logo que nos afastamos.

     — Não exagera, já não aguento nem o Daniel direito.

     Falei rindo mas logo fui interrompida por um assobio ousado. Não costumo dar atenção à esse tipo de cena mas preciso impactar no primeiro dia então me virei para descobrir quem era o autor e... Não podia ser alguém melhor.

    Murilo Sibien. O típico pega-todas assumido, um verdadeiro descarado. Anda em bando e curiosamente é um dos melhores amigos do Daniel.

      — Quanto tempo, vejo que algumas coisas nunca mudam. Não é mesmo, Murilo?

      — A gente já se conhece?

     Ele perguntou confuso e eu apenas ri, ironicamente.

     — Nunca nos falamos.

     — Mas você... Desde quando está aqui?

     — Eu estava vivendo em São Paulo, por um tempo... É meu primeiro dia hoje, desde que voltei ao interior.

     — Maneiro, me passa o seu número gata.

     — Deixa que eu salvo no seu celular.

     Ele sorriu animado e eu selei o teatro com chave de ouro após gravar o meu número e tirar uma foto com ele para complementar o contato.

     — Nos vemos por aí, gata.

     — Eu não duvido disso.

     Ele foi ao encontro do grupinho de adolescentes dependentes e com grave retardo de maturidade.

     A Madu que, durante a conversa, estava apenas fazendo parte da paisagem se pronunciou:

     — Vários alunos viram você conversando com o Murilo. E agora? As meninas devem estar em chamas.

     — Ele nem é tão sensacional.

     — Mas elas brigam à tapas por eles.

     Sabia que ela estava se referindo ao Daniel, Murilo, Benício, Fernando e Mateus então suspirei.

     — Uma hierarquia pode ser destituída, eu vou ser a rainha desse lugar e vou reinar no estilo Elisabeth I.

     Eu não quero depender de outro garoto para dar a volta por cima.

     — Como?

     — Preciso de voltar ainda este ano para a casa da minha tia, para ser mais exata, tenho dois meses.

      — COMO? E só me fala agora?

     Madu colocou suas mãos no meus ombros e me parou abruptamente. Uma reação exagerada, faz bem o estilo dela.

     —  Já disse para ir comigo.

      — Minha mãe não deixa eu sequer dormir fora, imagina morar em uma cidade dessas?

      — O caos paulista não é nada comparado com esse lugar.

      — Eu quero saber dos detalhes, você não me falava nada direito e estava sempre ocupada estudando. Nenhum menino fez seu coração acelerar lá?

Valentine's DayOnde histórias criam vida. Descubra agora