Capítulo 1

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- Você tem certeza? - Roran pergunto, mordendo o canto da boca.
Era fim de tarde na Corte Invernal e ambos estavam enrolados em grossos casacos e gorros enquanto brincavam na neve.
- Lógico. Eu já vi o meu pai passando a mão num deles. Eles são mansinhos. - Bronagh respondeu, pondo as mãos enluvadas na cintura. Ela era um pouco mais nova, mas com a lenta infância dos feéricos ambos pareciam duas crianças de 5 anos.
- Mas a minha mãe disse que mesmo que os ursos polares sejam fofos, eu não posso chegar perto. - Ele falou, com um tom um pouco duvidoso, mas a vontade de ir estava clara em seus olhos. A menina deve ter percebido, porque balançou a cabeça e respondeu.
- A minha também. - Quando viu os olhos arregalados do menino, acrescentou. - É isso que as mães fazem. Não adianta falar nada. - Ela balançou os ombros e se virou, começando a ir em direção ao grande galpão que servia de viveiro para os animais. Ela então falou por cima do ombro. - Ninguém vai saber. Vem, senão eu vou montar o urso polar sozinha.
Ele pensou por mais um momento, e então deu de ombros, enfiou a mão nos bolsos e seguiu a amiga.
Bronagh e Roran eram inseparáveis. Ela já havia passado um mês inteiro esse ano na sua casa, e agora ele é que havia vindo. Já tinham feito isso um monte de vezes, e ele realmente gostava quando ela ia ou ele vinha. Três noites atrás, quando chegou na corte, ela o acordou no meio da noite.
- Ro? Você está acordado? - Ela cochichou.
- Dorme, Bron. - Ele respondeu, puxando mais pra perto seu coberto felpudo.
- Eu quero montar em um dos ursos polares do meu pai. - Ela continuou cochichando, ignorando o que ele disse.
- O QUÊ?
- SHHHHH
- Por que você quer fazer isso? - Ele então voltou a cochichar, agora completamente acordado. Virou de lado na cama, olhando para o outro lado do quarto onde ela estava na mesma posicão, olhando pra ele de sua própria cama, um sorriso amplo no rosto branco. Ela parecia um floco de neve, ele pensou de novo. Já havia pensado aquilo um monte de vezes, mas a única vez em que disse em voz alga, Bronagh havia chorado e corrido dele. Ele não entendeu o motivo, mas como odiava quando ela chorava, não repetiu.
- Porque eles são tão fofos, e grandes, e brancos e FOFOS. Você não acha que eles são fofos? Eles são muito fofos.
- Eu entendi da primeira vez. - Ele resmungou e cobriu o rosto. Ele não sabia o que iria acontecer, nem como. Mas no final ele receberia uma bronca no lugar dela. Já havia acontecido antes. Sentiu algo o pressionando e abaixou a coberta do rosto. De alguma forma Bronagh havia se levantado e subido na cama dele. Ela o olhou ainda sorridente.
- Meu pai vai sair daqui a alguns dias, então nós vamos. - Ela fez uma pausa e colocou uma expressão de súplica no rosto que quase o fez se esconder de novo. - Nós vamos, né? Por favorzinho! Vai ser legal, e eles são tão...
- Fofos. - Ele completou. Ela concordou com a cabeça, as ondas brancas de seus cabelos balançando. O menino suspirou derrotado. - Nós vamos.
Ela gritou e se jogou em cima dele rindo.
- SHHHH - Mas ele acabou rindo também. Ergueu o lado da coberta e ela se aninhou ali embaixo como um filhotinho, uma bolinha branca e quente ao seu lado.
- Até amanhã, Ro. - Ela disse, bocejando.
- Até amanhã, Bron.

Parados do lado de fora de um dos espaços cercados onde os ursos ficavam, as duas crianças engoliram em seco.
- É grande, né? - Bronagh disse baixinho.
- Bem grande. Muito, muito grande.
- Será que ele é um urso polar gigante?
- Não sei, mas que ele é grande, isso é.
Eles ficaram calados então. Parecia que iam desistir, até que ela disse:
- Ali, olha. Nós vamos por trás, subimos na cerca e então pulamos nas costas dele.
O menino olhou pra ela de olhos arregalados e balançou a cabeça.
- É muito alto, Bron! Se a gente cair...
- Então não vamos cair. - A menina retrucou com teimosia. Então lhe agarrou a mão e o puxou atrás dela.
A cerca que circundava uma grande área em que o enorme urso em questão vivia era feita de tábua largas, com uma madeira especial e encantada para conseguir aguentar a força do animal e manter a fera contida. Serviria como escada perfeitamente, e como era bem alta, ficariam na altura certa para pular. Parecia um bom plano, e assim Roran se deixou guiar. Ele achava a coisa toda uma encrenca do tamanho de um urso polar, mas ele tinha que admitir que o bicho era fofo mesmo. Só de se imaginar agarrado a todo aquele pelo tão felpudohe dava um calorzinho de animação.
Subir não foi difícil. Tanto ele quanto Bronagh eram dois exímios escaladores que deixavam as mães, criadas, cuidadoras, cozinheiras, os pais, os cavalariços, os pagens e mais um monte de outras pessoas de cabelo em pé em ambas as cortes. Tinham ganhado o apelido de 'os dois esquilos' e isso era uma grande fonte de orgulho para ambos.
- Quando eu disser três nós pulamos. - A pequena disse. Seu rosto normalmente branquinho agora estava meio esverdeado, enquanto a pele caramelo de Roran estava da cor da neve que os rodeava. O urso estava distraído sentado. - Um... Dois... TRÊS!
E os dois pularam. O urso soltou um rugido pelo 'ataque' e se ergueu nas patas traseiras. Na mesma hora as duas crianças se assustaram e soltaram o pelo grosso ao qual estavam agarradas. O bicho saiu correndo e rosnando até chegar ao outro lado da cerca.
- Bron! Bron?! Você esta bem? - Roran gritou quando se levantou. Por sorte eles caíram num amontoado de neve fofa e ele não se machucou, mas a amiga estava caída de bruços sem se mexer. Ele a virou e viu que ela estava com os olhos arregalados. Mas não parecia machucada, então ele a puxou e a colocou de pé. Como a expressão assustada só piorou, ele a sacudiu um pouco. - Bron, o que foi? Esta doendo em algum lugar?
Mas Bronagh estava tomada de pavor, então apenas negou com a cabeça, ergueu a mão e apontou. Roran virou-se e engoliu em seco.
- Corre, Bron. CORRE! - Ele então gritou para fazê-la despertar. Foi sua vez de agarrar a mão da menina e a puxar enquanto corria.
O urso, é claro, estava atrás deles. Quando chegou ao final da cerca, virou-se e viu duas criaturas muito pequenas no ninho de neve que ele havia afofado. Ele não gostou muito dos novos inquilinos.
Enquanto fugiam, Roran procurou por uma forma de escapar. O urso era muito grande e logo os alcançaria. Ele viu a porteira numa falha da cerca e puxou Bronagh pra la, mas ela tropeçou e caiu no meio do caminho.
- Não! Vai embora, deixa ela em paz! - Ele gritou enquanto voltava e se colocava entre a menininha caída e a grande besta raivosa. Ouviu o choro dela e isso o deixou muito bravo. Realmente odiava quando ela chorava. E foi assim que o urso sumiu. Estava ali e então uma névoa surgiu em seu lugar, e depois nada.
O silêncio foi completo por um momento. Até mesmo ela havia parado de soluçar quando o urso sumiu. O menino então virou e se abaixou.
- Ele já foi, Bron. - Disse baixinho. Bronagh se ajoelhou à sua frente muito quieta, e então se jogou sobre ele num abraço sufocante.
- Eu fiquei com tanto medo. - Ela soltou um soluço abafado em seu ombro.
- Eu sei. Mas agora já passou. Vamos. - Ele disse suavemente, e então a levantou e a tirou dali.

O enigma do urso desaparecido durou por alguns dias, até alguém deduzir de forma meio duvidosa que provavelmente houve uma falha no feitiço e o animal fugiu.

- Ro? Você esta acordado?
- Aham.
- Pra onde será que o urso foi?
Ele pensou um pouco, mas depois balançou a cabeça.
- Não sei, Bron.
Eles ficaram quieto por um momento, até que ele ouviu um farfalhar. Sem nem olhar ele ergueu o cobertor e ela entrou ali debaixo.
- Você me protegeu. Obrigada.
Ele balançou a cabeça e segurou a mão dela. Recebeu um aperto forte em resposta.
- Até amanhã, Bron. - Ele disse baixinho, mas ela só se remexeu mais para perto dele, se aninhando como um filhotinho. Já havia pegado no sono.

Corte de Gelo e Escuridão - FINALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora