Capítulo 4

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Roran caminhava ao lado de Bronagh, o braço dela passado pelo seu. Uma felicidade imensa transbordava de seu peito e um sorriso largo estava estampado em seu rosto. Olhando para o lado mais uma vez se admirou com a beleza dela. A pele perfeita, os cabelos platinados, os olhos azuis claros. Tudo em harmonia com o vestido brando de renda que ela usava. Um véu delicado com pequeninas pérolas fluia do alto de sua cabeça, e ele pensou que nunca havia visto nada mais bonito que ela vestida de noiva. Continuaram caminhando rumo ao altar, e ele estava tão distraído olhando para ela que quando pararam foi que ele olhou para frente. Bronagh então se virou completamente para ele, ficando na ponta dos pés e lhe dando um beijo.
- Obrigado por me trazer até o altar, Ro. Eu amo você. Você sempre será o meu irmãozinho.
E então ela soltoh sua mão e caminhou para um desconhecido com uma expressão de total adoração que ele nunca havia visto em seu rosto. Certamente nunca a viu olhar para ele assim.

Sentou na cama num solavanco, respirando com dificuldade, uma mão esfregando o peito sobre o coração, como se com isso pudesse tirar o eco da dor que sentiu com o pesadelo. Um pesadelo, apenas um pesadelo, ele repetiu a si mesmo, afastanto os cabelos caídos no rosto. Fazia apenas algumas horas que ele havia praticamente fugido do quarto dela, e custara muito a pegar no sono, pensando no que estava acontecendo com ele.
Estava apaixonado por ela. Não sabia direito como aconteceu, mas deu-se conta disso na noite passada. E não sabia como agir. Tinha certeza que ela não sentia o mesmo. Respirou fundo, afastando a nova pontada de dor. Sempre achou melodramático quando as pessoas falavam de sofrer por amor, e de dor no coração. Agora sabia que não havia exagero nem sentido figurado - doía pra valer.
Levantou-se e andou pelo quarto, parando na janela para olhar o Sidra lá fora. Dali dava pra ver o local em que jurou que nunca gostaria de ninguém mais do que dela. Gostar não dizia o suficiente sobre seus sentimentos. Amava-a. Provavelmente mais que qualquer outra pessoa e coisa.
Voltou a deitar na cama, olhando para o teto, com medo de voltar a dormir e ter outro sonho como aquele. Mas era um medo bobo... Não havia a menor chance de ele pegar no sono.

Bronagh estava saindo de seu quarto na manhã seguinte quando ouviu algumas vozes um pouco exautadas no andar de baixo. Desceu as escadas e percebeu que estava acontecendo quase uma discussão entre Roran e Rhys.
- Todos os anos você tem ido com ela para passar o mês na Invernal, eu quero que você apenas me explique porque não quer ir agora. - Parecia que o Grão Senhor estava fazendo um esforço para manter a paciência com seu primogênito.
- Porque não quero! Eu posso ir depois, daqui alguns meses, não tem  nada demais.
- Você não quer viajar comigo? - Ela perguntou, de onde estava parada no meio da escada.
Na mesma hora Roran olhou para ela, engoliu em seco e desviou os olhos. Estranho.
- Não é que eu não quero ir. Só não agora. Eu quero... quero ir até a diurna. - Seu tom parecia como se tivesse acabado de achar essa resposta. - Helion já me chamoh lá várias vezes, e nunca dá certo de eu ir. Quero ir agora.
- Ótimo. Ele me convidou também. Podemos ir os dois, e...
- NÃO! - Ele quase gritou, fazendo-a erguer as sobrancelhas. Ele pigarreou. Ainda não estava olhando para ela quando continuou. - Não, Bronagh. Você vai para sua casa e depois nós nos vemos.
Ela ficou parada olhando para ele, assim como os outros da sala. Roran a estava afastando. Ele nunca a afastou. Nunca.
- Ro, se você esta chateado comigo pelo que aconteceu ontem...
Mas ele a cortou de novo, enfim olhando para seu rosto de novo.
- Não foi sua culpa, já lhe disse isso. É claro que eu não estou bravo com você.
Ela desceu as escadas e caminhou em direção a ele, que recuou como se a jovem fosse um animal venenoso. Bronagh arregalou os olhos e ofegou, um som de tristeza.
- Perdoe-me. - Ele sussurrou. Olhou para ela de forma torturada. - Eu... - Ele parou e respirou fundo, então desviou os olhos e balançou a cabeça. - Perdoe-me, não posso. - A última parte saiu sussurrada, e sem olhar para ela nenhuma vez novamente, ele virou-se e saiu.

Bronagh ficou parada no lugar, a vista embaçada pelas lágrimas que se formavam em seus olhos.
- Querida, o que aconteceu ontem? - Sua mãe perguntou com delicadeza. Não tinha percebido que ela e seu pai estavam ali, e depois de pestanejar para derrubar as lágrimas presas em seus cílios e poder enxergar, olhou para ambos. Viviane parecia prestes a vir em sua direção e lhe tomar  os braços, algo que ela apreciaria bastante. Já Kallias estava olhando para Rhys de uma forma estranha. Quase parecia como se eles compartilhassem um segredo.
Respirando fundo, ela narrou os acontecimentos da noite anterior, arrancando suspiros de solidariedade (de sua mãe) e resmungos indignados (de seu pai) e ameaças contra a vida do imbecil da noite anterior (de Rhys).
Quando a mulher enfim a abraçou, ela deixou a vontade de chorar solta, e entre um soluço e outro pediu para ir para casa. A família então foi se preparar para a viagem de volta à sua própria corte.
Bronagh não viu Roran de novo até que partiu.

- Você descobriu que ela sua parceira. - Rhysand afirmou, sentando-se ao lado do filho, que estava numa parte plana de rocha numa das montanhas. Raramente Roran usava suas asas, mas naquela manhã apenas a sensação do ar em seu rosto nas alturas poderia aliviar a angustia que estava sentindo cada vez que lembrava da expressão e do som ferido de Bronagh com as palavras e atitudes dele.
- Vocês todos já sabiam? Não pensaram que era uma boa ideia nos contar? - Uma parte dele queria se enfurecer, mas a outra estava apenas angustiada com a situação toda. Parte dessa dor deve ter transparecido em sua voz, pois sentiu o toque firme da mão de seu pai lhe apertando o ombro.
- Ninguém sabia. E agora nós dois sabemos apenas. Mas sim, tinhamos uma desconfiança.
Roran olhou para ele então, uma pergunta no olhar.
- A ligação de vocês nunca foi normal. Sempre foi forte demais. Pra vocês nunca houve hesitação, ou espaço pessoal, ou segredos. - O mais velho deu de ombros. - E então houve o acordo que vocês selara.
Os dois olharam para a marca nas costas da mão esquerda do rapaz.
- Pai, eu não sei o que fazer. - Ele disse num tom quase de súplica. - Eu me dei conta de que a amo... não como uma irmã. E é... assustador! E eu acho que ela nunca vai me ver de outra forma que não como um irmão.
Rhysand olhou para o filho por um longo tempo. Por fim começou a falar.
- Quando me dei conta de que sua mãe era minha parceira, eu tinha certeza que ela me odiava. Ela estava noiva e perdidamente apaixonada pelo meu maior inimigo. - Roran olhou de olhos arregalados para o pai, que concordou com a cabeça. - Eu tinha certeza absoluta que ela jamais seria minha.
Por um momento o mais jovem tentou entender o que acabara de ouvir. Conhecia a historia de como sua mãe se tornou feérica sim, e de tudo que aconteceu na Corte Primaveril, mas nunca pensou a fundo o que isso significaria para o laço entre ela e seu pai.
- Dê-lhe tempo. Mas mais importante que isso: não a afaste. Ela ama você, independente de qualquer coisa. Para ela vai ser tão difícil ficar longe quanto é para você. Então não a afaste. Ela não tem culpa pelo laço, e nem você. O laço não é algo ruim. Tenha isso em mente.

Sentada em sua cama na Corte Invernal, Bronagh olhava as mãos cruzadas em seu colo, enquanto uma sensação de infelicidade cobria sua mente. Fazia já uma semana que havia voltado para casa. Uma seman sem notícias de Roran. Ela nunca se sentiu tão só em toda sua vida. Não conseguia entender o motivo para que ele tivesse agido daquela maneira, mas doía muito.
Perdida em pensamentos tristes ela ouviu o som de cascos de cavalo do lado de fora. Era difícil ver cavaleiros ali por causa da temperatura, então foi até a janela ver quem poderia ser.
- Oh! - Exclamou, e saiu correndo. Desceu as escadas aos pulos como quando era menina, e foi direto para a porta de entrada, que havia acabado de abrir.
Mal Roran a atravessou e alguém se jogou sobre ele. Não alguém - ela. Ele soltou sua bolsa de viagem e a enlaçou, apertando-a forte junto ao peito.
- Me perdoe. Me perdoe. - Ele disse baixinho, lhe beijando o alto da cabeça.
- Eu achei que você não viria mais. Achei que não te veria mais. - Ela disse entre soluços, o rosto enterrado em seu peito.
- Como se eu fosse conseguir ficar longe de você. - Ele forçou um tom brincalhão nas palavras.
Ela se afastou um pouco dele e olhou em seus olhos, agora muito séria. Como era linda! Não entendia como demorou tanto a dar-se conta disso, mas pela Mãe, adorava o chão que ela pisava.
Bronagh fechou a mão num punho e bateu em seu peito com toda força, no exato local em que sua cabeça estava pousada um instante atrás.
- Nunca mais se atreva a me fazer passar por isso. Jure! - Ela praticamente rosnou entre dentes para ele.
O sorriso dele cresceu e ele pousou uma mão sobre o coração.
- Juro nunca mais ficar longe de você. Juro nunca mais fazê-la sofrer. Juro fazer tudo que estiver ao meu alcance pelo resto dos meus dias para mantê-la sempre feliz. - Ele disse solenemente.
Ela arregalou os olhos, pois aquele era um juramento muito maior e mais importante do que ela jamais havia esperado. Pestanejou, um pouco confusa.
- Roran, o que... - Mas antes de concluir a pergunta, sentiu um formigar na mão direita e viu que uma cópia da tatuagem que havia na mão esquerda surgiu ali. Olhou impressionada para o jovem, que tirou a luva e mostrou a própria mão direita.
Desconcertada, Bronagh sentiu-se corar enquanto olhava para ele, e viu algo em seus olhos que a confundiu ainda mais. Eles se iluminaram por um momento muito breve, tão breve que ela quase não tinha certeza de que viu mesmo algo. Mas então ele falou.
- Vamos lá. Temos que avisar seus pais que eu estou aqui.
Concordando distraidamente, ela deixou-o passar um braço por seus ombros e guiá-la para o interior da casa.
Ainda queria entender porque tinha a sensação de ter ouvido um clic em sua mente algum momento da conversa.

Corte de Gelo e Escuridão - FINALIZADAOnde histórias criam vida. Descubra agora