Notícia

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Todos levantaram assanhados quando ouviram a voz tão esperada. Balmac balançou o rabo alegremente quando viu Caluto pousar na entrada da caverna.

As asas da fada repousaram com extrema leveza, parecia uma capa de tecido diáfano que encobria seu pequeno corpo até a curva dos joelhos.

Caluto passou os braços por Jiron lhe dando um abraço terno. Ele foi o único que ela dedicou um pouco mais de afeto, porém ela sorriu para todos de maneira amistosa o que era bem mais que ela fazia antes da liberdade. Seus olhos arroxeados estavam ansiosos e saudosos. Era nítido que ela também queria partir.

— Não vemos a hora. — Respondeu Jahil com o semblante fechado mostrando o quanto estava sentido pelo tratamento do povo dela.

— Irá conosco, não é...? — Perguntou Jiron com a voz mais ansiosa do que o normal. Lúcia sorriu ao vê-lo assim, era compreensível já que os dois eram inseparáveis.

Caluto franziu o cenho como se estivesse ofendida com a pergunta. — Jamais os deixaria partir sem mim, vou lutar até ver o espectro destruído. — Ao dizer isso suspirou e olhou para o chão. — Peço desculpas por terem ficado praticamente presos aqui. E aceitem meu pedido porque está sendo custoso para mim fazer isso. — Ela olhou de torto para cada um esperando uma risada ou uma piada, mas ninguém fez comentário. Realmente vindo de Caluto era algo importante, por isso respeitaram seu esforço.

Quando viu que ninguém ia fazer chacota de seu raro momento de humildade ela sorriu agora com alegria.

— Vim buscá-los, minha guardiã mãe os aguarda no monte.

Mal Caluto havia acabado de falar todos saudaram a boa notícia enquanto corriam pegar seus poucos pertences. Em comum e silencioso acordo decidiram inteirar as provisões quando estivessem a uma distância bem segura de Venília, não queriam nem por um minuto cogitar a hipótese de vir outra fada e dar a notícia que eles precisavam continuar ali mais algum tempo. Queriam antes disso estar longe o suficiente para não serem pegos desprevenidos.

— Acho que nada nos impede de esperar mais. — Disse Balmac — A comida acabou na floresta. — Ele olhou de soslaio para Linade. — Já está tendo até briga por conta disso.

Linade continuou olhando para Caluto impassível, como se a indireta não fosse para ela.

Caluto ergueu uma sobrancelha sem entender e Linade balançou a cabeça de leve como se pedisse que ela não perguntasse, o que ela respeitou prontamente e como se fosse seu jeito de disfarçar a curiosidade seu olhar adquiriu o jeito petulante de sempre e acabou fechando a cara enquanto olhou de viés para o lobo.

— Vamos então Balmac, apesar de sua chatice você tem razão, nada mais nos impede.

Assim que todos saíram Jiron levantou voo e se manteve baixo para poder participar da conversa.

Lúcia ainda não tinha conseguido ver Caluto direito, e com a claridade do dia ensolarado ficou impressionada com a beleza de suas asas ao sol. Ela voava baixo, com as asas para cima deixando o corpo livre. Lembrava uma borboleta.

Havia vários desenhos por consequência das inúmeras e minúsculas veias que trançavam no meio de suas asas transparentes e brancas.

Os desenhos que se formavam somado a textura fina lembravam a Lúcia um véu acetinado com bordados sem definição, e o que mais a impressionou foi ver que esses veios eram cintilantes mudando de cor conforme as asas se moviam de maneira rápida e constante.

Lúcia não queria ser indelicada e parou de encarar a fada, procurou se distrair com a paisagem já que estavam alcançando um lugar que até então não era permitido a eles pisar.

Por um tempo a paisagem era conhecida a eles já que passaram os dias a caçar por ali. Era uma floresta comum, com vários tipos de árvores e animais. O solo úmido e escuro deixava a paisagem triste, mas, no meio da floresta a beleza parecia brigar com a tristeza, era inalcançável para eles, ainda assim podia ser visto de longe.

Mas Lúcia não conseguiu dedicar atenção a floresta, mesmo que tentasse olhar para outra coisa, seus olhos voltavam para a fada, não tinha tido oportunidade de observar com atenção quando ela aparecia e agora queria marcar cada detalhe da nova Caluto, precisava se acostumar.

Caluto usava uma roupa um pouco estranha. A parte de cima era couro marrom e justo e suas calças eram de tecido leve e opaco. Um tipo estranho de couro marrom. As botas chegavam ao joelho e Lúcia quase teve certeza que era certinho o local onde suas asas alcançavam.

— Está estranhando a aparência de Caluto ainda? — Perguntou Luthiron que emparelhou seus passos com os de Lúcia e ficou ao seu lado.

— Faltou convivência Luthiron, e a vendo tão pouco nesses dias, ainda não me habituei.

— De fato ela ficou bonita, mas não me acostumei também. Na verdade, imaginei que ela seria diferente.

Lúcia ficou desconfortável, não entendia porque, mas a observação de Luthiron sobre Caluto a incomodou.

— Como assim diferente?

Luthiron balançou a cabeça. — Não sei Lúcia, acho que aqui do grupo todos nós eventualmente nos pegamos a imaginar como seria um ou outro. A forma original, o que são de verdade, enfim... Imaginamos variadas coisas. Confesso que Caluto eu imaginei diferente porque me sugestionei ao tamanho que ela tinha. E ela tem o tamanho de um humano, digamos um humano pequeno, mas ainda assim... No entanto os olhos.... Não tem como não assimilar. Desde quando ela era um pássaro, eu já via um tom de roxo escondido ali, era como se aquele tom de vermelho escondesse um roxo.

Lúcia nunca tinha reparado, mas ela sabia que os olhos de Luthiron ainda mantinham os dons antigos assim como sua velocidade. Olhou novamente para Caluto e assentiu.

— Tem razão, se um dia eu tivesse imaginado como Caluto seria em outra forma teria sido sugestionada pelo seu tamanho, mas com certeza os olhos eu teria imaginado como são agora.

Lúcia não tinha pensado sobre isso até o momento, mas falando sobre Caluto ela pensou em Luthiron, mesmo sabendo que ele era um elfo, ela não tinha ideia de como ele ficaria depois de liberto.

Olhou para ele por um momento apenas e depois desviou o olhar. De alguma forma sentia um tipo estranho de tristeza, temia que quando ele voltasse a forma antiga, ela estranhasse assim como estava estranhando Caluto.

— Você tem receio que eu estranhe sua nova forma quando for liberto? — Perguntou com a voz baixa, não queria que os outros ouvissem a pergunta, talvez fosse esse receio que estivesse deixando seu amigo angustiado.

Luthiron ficou um tempo andando ao lado de Lúcia, o olhar perdido a frente. Quando respondeu sua voz saiu baixa. — Não Lúcia, sei que no começo será assim, então não tenho receio disso.

Lúcia pensou em perguntar porque ele estava se esquivando dela esses dias, mas Luthiron olhou para ela como se receasse que ela o questionasse. Decidiu não o forçar, mas tinha que se certificar de que não seria assim para sempre.

— Uma hora vamos conversar direito, não vamos Luthiron?

— Prometo que sim, Lúcia.

Lúcia queria dizer muitas coisas, mas ele continuava esquivo e ela tinha prometido respeitar seu espaço. Com um suspiro de resignação, ela continuou andando ao lado de Luthiron, mas agora os dois estavam perdidos em seus próprios pensamentos.

***

Oiee gente, como prometido, mais um capítulo. Obrigada viu, pelos comentários, pela interação e pelo imenso carinho demonstrado com esses personagens, sinceramente, de todas as minhas histórias, não imaginava que as Crônicas teria leitores tão apaixonados. Isso é fantástico e surpreendente! Obrigada

Crônicas Helenísticas. AlvarinOnde histórias criam vida. Descubra agora