Pôr-do-sol

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O sol já estava dando adeus quando ouvi ruídos na varanda do meu pequeno terraço. Vejo minha mãe na porta, repleta de sacolas, caixas e sorrindo como uma criança. Já posso até imaginar o motivo dessa alegria: compras. Vamos, contenha-se, não deve ser tão difícil assim ficar um dia sem gastar mais do que está disposta a pagar. Fui até ela avaliando todas as sacolas em silêncio e me aproximei da grande caixa vermelha.

— O que é isso? — apesar de espaçosa, a caixa era bem bonita e brilhante. Por um instante pensei que, se eu não gostasse do conteúdo da caixa, ainda estaria satisfeita pela embalagem. Penso nas mil coisas que posso colocar dentro. Talvez meus gatos consigam gostar ainda mais que eu.
— Abra, é seu — disse mamãe com um entusiasmo tradicional que só ela possui.
Me aproximei ainda mais da caixa e desatei os laços que a prendiam. Abri com calma e medo, sem saber ao certo o que encontraria ali. Consegui ver uma grande pelúcia, era um gato, mas não qualquer gato de pelúcia, era um gato de pelúcia que era ativado através do movimento e miava. Eu não sei se estou assustada ou encantada com isso. Talvez mais assustada que encantada. Parece que tem um gato preso dentro desse boneco. Sorri e peguei no braço, nesse meio instante, ele conseguiu miar 4 vezes. É movido à pilha, bateria...? Talvez seja movido a amor. Fui correndo até minha mãe e a abracei em agradecimento e atrás de mim, ouço Matt reclamar comigo sobre ainda não estar vestida. Por que me aprontar tão rápido para algo que não estou ansiosa?

— Também acho que você deveria se arrumar. Você já tomou banho? — minha mãe sempre vai me tratar como criança, talvez por eu ser filha única ou talvez ou eu realmente não ter crescido suficientemente para não enxergar a maldade nas coisas.
— Sim, mamãe. Vou vestir o que o Matt escolheu para mim e espero não ficar semelhante à tia Marjourie no velório do Alfred — a tia Marj era simplesmente aquele tipo de pessoa que conseguia chamar mais atenção que o falecido em seu próprio velório. A chamávamos de trio da alegria, porque além de extremamente extravagante, sorria a cada fim de frase, não havia tempo ruim para ela. Infelizmente não foi genético, quanto a mim. Gostaria de ter sido mais feliz.

Fui até o quarto e entrei no vestido tamanho 38, que parecia 36, porque estava bastante apertado na altura do busto e barriga. Olhei com cara de desespero para o Matt, que estava extremamente ocupado deitado na minha cama rindo de algum vídeo no Youtube. Decidi não pedir sua ajuda, porque eu tinha míseras duas opções: ou optava por me empacotar sozinha e não ser motivo de chacota, ou ele me ajudaria a entrar no vestido soltando piadas como: "quer que eu passe manteiga para escorregar mais rápido?". Me sinto orgulhosa ao finalmente entrar no vestido, a impressão que tenho é que ele pode rasgar a qualquer instante, então, resolvo dar passos contidos. Ensaio uma caminha a la modele pela extensão do meu quarto, até passar pela mesa escrivaninha e ver meu celular se iluminar em uma mensagem de texto. 'Preciso de uma confirmação sua. Eu preciso saber que estará lá hoje. Por favor, me dê uma luz', era o que dizia. Sou tomada pelo maior acúmulo de coragem que pude ter naquele dia e respondo um simples 'estarei lá, mas por 10 minutos, então, seja breve e não se atrase'. Preciso saber o que ele tem a me dizer, mas também preciso manter isso em segredo, porque, digamos que as pessoas tenham ficado contra ele desde que terminamos e apesar de todos os motivos que o tornam um monstro diante de mim, ainda enxergo a pessoa que mais amei em vida.

Olho para o relógio e ele marca 19h07. Já estou pronta, Lisa está na cozinha com o Matt e minha mãe e o esquisito Nicholas se encontra nos fundos da minha casa, enchendo a piscina e pondo um pouco do que acredito ser carvão, numa velha churrasqueira caseira que eu me recusava a lembrar que existia. Tudo parece bem, então, decido por um impulso, deitar na minha cama e responder as felicitações de 'feliz aniversário' que me enviaram ao longo do dia no Facebook e às mensagens em GIF suficientemente religiosas que meus parentes me encaminharam pelo WhatsApp. Será que devo responder com um "não acredito em deuses, mas obrigada"? Não quero parecer grossa, então, decido responder apenas um 'obrigada'.

Na seleção de músicas, opto por minha lista clichê de canções da Taylor Swift e 'You belong with me' invade meus ouvidos, trazendo consigo um êxtase interessante, que me leva a um sono profundo o suficiente para que as músicas se calem em um luto profundo em meus ouvidos e eu seja transformada a outra dimensão mental.

17 maneiras de permanecer vivaOnde histórias criam vida. Descubra agora