Fugitiva

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Já passava das 19h50, quando olhei ao redor e vi que tudo estava em seu devido lugar, com exceção de mim, que cheguei ao ápice do fundo do poço e me senti deslocada dentro da minha própria casa.

Olhei para o espelho vertical do meu quarto e avaliei a pessoa que ele refletia: quem me vê nesse salto nem imagina que me sinto em plena corda bamba. Preciso superar minhas montanhas, andar de salto não chega nem a ser uma lombada, mas requer de mim um impulso extremo.

Vou até a sala. Minha mãe está lá com seu novo namorado, o Sr. Silver. Eu não sei se fico feliz por eles ou triste, porque a forma como se olham, mostra que qualquer término mataria os dois internamente.

Na cozinha está o Nicholas e a Lisa, é apenas ele percebe a minha presença. Odeio a forma como ele me olha, parece estar sempre me julgando por algo que ainda não sei o que é. E dentro dessa linha tênue entre ódio gratuito e o ódio propriamente dito, uma lembrança invade minha mente: preciso encontrar o Dom às 20h.

Nossa, eu só posso ser uma ameba. Esqueci por alguns instantes do encontro. Agradeço mentalmente ao Nicholas por me olhar de forma negativa e me fazer lembrar da causa das minhas insônias: Dominick.

Apresso meus passos e vou até o quarto. Pego um casaco que estava pendurado no tripé e sento na cama, tento tirar o salto, mas então penso: jamais descerei do salto novamente pelo Dom. Que garota forte, nem parece que chora vendo vídeos de soldados voltando da guerra e reencontrando suas famílias. Balanço a cabeça tentando me desfazer dos pensamentos errantes e deixo o salto exatamente onde está. Levanto da cama, arrumo o vestido, movo algumas mechas do cabelo para frente, visto o casaco para enfrentar o quase inferno congelado de 10° e saio do meu quarto de uma forma que me permita a não chamar a atenção de olhares curiosos. Você não pode se atrasar e deixar todos esses coitados que organizaram todo seu aniversário enquanto você dormia, sozinhos. Chego até a porta sem que ninguém tenha percebido que saí, vou até meu carro, a minha velha BMW 325i, de 1998 e sento no banco do motorista. Pelo retrovisor, vejo mais alguém atrás do meu carro, parece o Nicholas, um pouco ocupado e distraído demais para me perceber ali. Me abaixo no carro e deixo que ele dê partida na sua picape do ano e desapareça na estrada. Me pergunto por que alguém sairia com tanta pressa. Será que ele e Lisa brigaram? Ou faltou algo para a festa? Algo como cocaína... franzo o cenho ao pensar nisso, não quero drogas dentro da minha casa, já me basta estar ali. Vamos, lixinho. Mova-se.

Seguindo meu guia com espírito de porco, dou partida no meu velho e amável carro e vou a caminho do Parque Brooklyn Bridge. Como vou chegar lá? Não lembro de ter trazido o celular, eu só posso ter algum tipo de distúrbio. Se eu voltar, posso ser pega por alguém convincente o suficiente para não me deixar sair novamente, se eu não for, corro o risco de me perder ou de não conseguir entrar em contato com alguém, caso eu me atrase. Não seja egoísta a ponto de se atrasar para o próprio aniversário. Desisto do meu telefone, volto a dar partida no carro e pego a estrada seguindo meus instintos.

17 maneiras de permanecer vivaOnde histórias criam vida. Descubra agora