Impacto

129 50 14
                                    

Abri os olhos inspirada na velocidade da tartaruga mais lenta, porque ainda tinha medo do que poderia presenciar a frente dos meus olhos.

Em um zig-zag lento, olhei para o canto de cada um dos olhos, não via nada, ninguém. O lugar estava tão vazio quanto um cemitério em dia de chuva.

Quando dei por vista, ainda estava no chão sob uma grande poça do que havia dentro de mim. Era bastante sangue.

Talvez o melhor dos alívios, fosse não sentir mais a dor agonizante que eu senti ao cair e ao fechar os olhos pela última vez. Pelo contrário, sentia uma leveza e uma paz boa demais para alguém que acabara de ser transformado em uma peneira.

Me apoiei sob meus cotovelos e ainda movida a desconfiança, olhei para os lados, buscando meu agressor. Não havia mais ninguém ali, além de mim e minha psique carregada de medo.

Há anos me sentia tão bem, tão aparentemente saudável e energética, porque mesmo tendo corrido bastante a minutos atrás, sinto que conseguiria percorrer uma maratona sem me cansar.

Passos e sirenes ecoam através do silêncio da noite e no escuro do parque, vejo surgir as cores azul, vermelha, azul, vermelha... são policiais, são pessoas que estão dispostas a me ajudar, estou literalmente salva.

E se eu ainda estiver machucada? Não quero dar trabalho para eles, nem para mim. Decido permanecer na mesma posição, até que os dois policiais que desceram de um velho automóvel com adesivagem policial, viessem até mim.

Eles põem uma pistola em punho. Um averigua a redondeza e o outro bem devagar em minha direção.

— Precisamos de reforços e de uma ambulância. Há uma pessoa ferida aqui. Câmbio. — disse o policial, que eu poderia jurar estar tremendo, vindo em minha direção. Ele era rechonchudo o suficiente para fazer valer a lenda que diz que policiais sobrevivem a base de rosquinhas carregadas de açúcar. — Entendido, policial James. Há reforços a caminho, que se encontram há 4 quadras do local. Aguardando mais instruções. Câmbio. — ruiu o som vindo de uma espécie de rádio no ombro peito do policial James. — No momento é só. Câmbio e desligo.

— Não há ninguém por aqui, James. — pude ouvir o outro policial dizer, um pouco distante de onde nos encontrávamos. Ele, em compensação, era mais magro e talvez fosse mais baixinho que eu, parecia ser uma pessoa determinada, pude sentir isso pela força que pôs ao pronunciar a frase. — Não é preciso gritar, você sempre fala tão alto assim? Tem uma mulher aqui, venha me ajudar. — disse o rechonchudo James.

Ao ver que os dois estavam se aproximando, decidi pedir ajuda, decidi contar o que havia acontecido comigo, sobre o medo que estava sentindo e que ele não devia se preocupar com ambulância, apenas com aquele alguém doente que estava aqui e que tentou tirar minha vida.

— Por favor, vocês precisam me ajudar. Eu fui atingida por vários tiros, senti muita dor na hora, mas agora me sinto melhor. Vocês têm certeza que não tem ninguém aqui? Ele estava armado. — consegui dizer, sem embolar nenhuma frase, um resumo de tudo o que havia acontecido comigo naquela noite, naquele instante. Eles pareciam ignorar tudo o que eu havia falado, apenas ainda conversam entre si sobre as demais unidades de comboio estarem chegando pelo norte do parque. E eu estava lá no chão, sem sentir frio ou calor, sentindo apenas medo.

— Vocês não vão falar nada? — pude sentir um pesar em seus olhos, pareciam estar surpresos com algo ainda mais tenebroso que minha história.

— Moça? Moça, você está bem? Eu me chamo Julian e sou policial. — então seu nome é Julian? Engraçado, não combina com você.
— Sim, sim, eu estou bem. Por favor, vocês sabem dizer se ainda falta muito para que a ambulância chegue? Hoje é meu aniversário e estão todos reunidos na minha casa me esperando. Preciso ir para lá o mais rápido possível.
— Eu acho que ela está morta, James.
— Que audácia. Eu não estou morta e estou ouvindo o que você está dizendo. — como ele pôde? Já não se treinam mais policiais como antigamente.

O policial James se aproximou de mim, pôs a mão no meu pulso direito e depois, no meu pescoço, e repetiu em mesmo tom de pesar para o policial Julian.
— Ela está morta, é uma pena... parece uma moça tão nova.

— Gente, eu não-estou-morta! — e em um impulso, levantei no chão e senti uma tontura tomar conta da minha visão. Eu ainda não tinha reparado, mas estava enxergando os policiais como... fantasmas? Eles pareciam se mover e deixar algo no ar, como um vídeo com falhas, como um efeito de computador em algum vídeo engraçado. Seria hilário, se não estivessem zombando da minha situação e me dando como morta.

Eles não se surpreenderam com meu levantar e permaneceram de cócoras, olhando para algo estendido no chão. Era eu, eu continuava no chão, na mesma posição que acordei, tornando aquilo ainda mais impossível.

Pessoas vinham seguindo a trilha de sangue que deixei durante minha corrida pela vida (ou pela morte) em todo tracejo de árvores do parque e se aproximaram dos policiais que já estavam de pé.

— Boa noite, senhores. — disse o policial com pinta de chefe que havia acabado de chegar a cena.
Como boa protagonista, decidi reivindicar meus direitos e saber o que estava acontecendo. Se eu morri, por que ainda estou aqui? Se eu morri, por que continuo ouvindo e vendo pessoas vivas? Se eu morri, por que ainda sinto medo?
— Boa noite, senhor. — disseram os policiais que já estavam aqui, prestando continência. — recebemos uma denúncia de tiroteio aqui no Parque, então, viemos averiguar e encontramos essa moça morta no chão.
— EU NÃO ESTOU MORTA! — gritei, sem muito sucesso, não obtive atenção.
— Foi encontrada mais alguma vítima ou indivíduo no local? A detetive Klear está a caminho para investigar o caso.
— Não, senhor. O policial Julian fez a varredura do local num raio de 100 metros e nenhuma pessoa foi encontrada.
— Senhor, durante a varredura, vi uma BMW azul estacionada em zona proibida, sob a grama. Acredito ser da vítima. — passou a informação, o policial Julian, que ainda não havia tirado o pesar da situação.

Como pode? Como posso ter morrido justamente no dia do meu casamento e pelas mãos de alguém que eu sequer consegui reconhecer? Como alguém pode ceifar a vida do outro assim? Eu me recuso a acreditar que estou aqui, estendida no chão, descalça, com o cabelo no rosto e vestida num vestido desconfortável morta no dia do meu aniversário.

Não sei ao certo explicar como estou me sentido e o que estou sentindo vontade de fazer, mas apenas corro. Corro muito. Corro em direção ao meu assassino. Corro em direção à minha casa. Corro em direção aos meus amigos. Corro em direção à minha mãe. Corro em direção aos sonhos que estavam morrendo e se distanciando a cada passo que eu dava no chão. Corro em direção às lembranças de infância que aos poucos vão sendo apagadas da minha memória. Corro em busca de respostas.

Corro de mim. Corro de mim mesma ali naquele chão. Corro de mim deitada na grama do Parque Brooklyn Bridge.

E pela primeira vez, naquela noite, após ter acordado do meu maior pesadelo, pude sentir o maior frio que já havia sentido. O frio de se estar sozinha em um mundo que já não era mais meu.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Aug 20, 2018 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

17 maneiras de permanecer vivaOnde histórias criam vida. Descubra agora