Q u a r e n t a e s e i s

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Eu me sento na poltrona da sala

a chuva fina de domingo cai lá fora

eu posso ouvi-la com clareza

caindo sob o teto de nossa casa

percebo que as primeiras rugas começaram a enfeitar o canto de seus olhos

há quanto tempo elas estão lá?

Escondo os meus raros fios brancos em um coque

você leva uma xícara de café fumegante aos lábios

e ignora o fato de que a sua vida é morna

me pergunta se eu aceito um gole

e eu tento disfarçar a minha expressão de cansaço

quando foi que você se esqueceu que eu prefiro chá?

O disco dos Stones toca ao fundo

me fazendo lembrar

que costumávamos ser bons no jogo de amar

mestres na loucura de se perder um no outro

eu seria capaz de transcender tempo e espaço

só pra sentir mais uma vez aquele gosto

e como um alquimista

beberia novamente o elixir da nossa juventude

Nós costumávamos ser insanidade

mas chegamos naquele estágio lamentável da vida

em que nos sentimos tão confortáveis em nossa própria pele

que nos permitimos contaminar
pela normalidade dos dias

Meus pés balançam, freneticamente

a chuva fina cai, lentamente

enquanto eu anseio por um furacão

forte o bastante pra varrer consigo os alicerces daquilo que chamamos de lar

Puxo, cautelosamente, o fio do meu suéter

na esperança de que o tédio seja puxado pra fora também

ele desce, amargo, pela minha garganta

quase tão amargo quanto o seu café

Observo a tinta na parede

que nós pintamos com as nossas próprias mãos

e agora, devagar, ela desbota

o amarelo vivo converteu em marfim

cada movimento que fizemos foi em vão

Eu devia ter suspeitado que nosso final seria assim

eu me esqueci de você

você se esqueceu de mim

nossa estrela brilhava tão violentamente que poderia ser vista de qualquer canto da galáxia

mas o problema é que o brilho febril de uma estrela

em suas milhares de centelhas

indica que a sua morte está perigosamente próxima

e esse será o seu fim

- Ensaio sobre o comodismo

Estrelas MortasOnde histórias criam vida. Descubra agora