Capítulo 8

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Bruxelas - primeira semana de apresentações

- Em que está pensando? - Henzo me pergunta, ao observar o quanto estou quieta desde que cheguei as tendas do circo.

- Em nada. - menti, não querendo incomodar. Tínhamos muito o que fazer. Minhas coisas vieram novamente, já que decidi ir embora e depois Cézar veio me buscar. Nosso trabalho agora era retirar tudo dos ônibus em que andávamos e levar para as tendas montadas em um terreno remoto de Bruxelas.

- Vamos lá, Adeline, sabe que pode contar qualquer coisa para mim. É fato que não nos conhecemos a anos, mas gostaria que visse em mim alguém em quem confiar. Essas viagens de circo podem ser extremamente solitárias. 

- Estou nervosa. -admiti, ele estava certo, não tinha por que retrair meus sentimentos e guardar tudo pra mim. - Minha amiga, Gabriela, está grávida e não estou lá para ajudá-la. Vou tentar mandar dinheiro, mas... se não for o suficiente para ela? Se ela não puder pagar os exames, as despesas da casa e a alimentação? Talvez, quando eu voltar para a França depois desses seis meses viajando, a criança já tenha nascido e ela esteja passando por dificuldades e não quer me falar...

- Você vai precisar confiar nela e trabalhar duro para manter seu emprego. Sua atitude de enviar dinheiro a ela é admirável, mas como vai conseguir se manter por aqui? - perguntou, enquanto levávamos minha última caixa para a minha tenda. 

- Eu me viro até com 12 euros por mês, sempre me virei. - admiti, agora retirando as coisas das caixas.

- Você não precisa de muita coisa para viver, não é? - perguntou, olhando minhas poucas caixas e pertences. Com uma vida de nômade, me pergunto como alguém viveria cheio de coisas. 

- Nós viajaremos muito, não gosto de perder nada. Esse colchão de ar tinha que servir para algo quando eu o comprei no ano passado. Eu já tive boa vida, sabe? Vivi com meus pais na França até que eles quiseram voltar para a Inglaterra, terra natal deles. Disseram que eu podia me virar sozinha e queriam me testar. 

- Isso soa como abandono. - Henzo rebateu, pensando.

- Demorei um tempo para entender que era abandono. Eu já tinha dezoito, queria viver, mas não sozinha. Comecei a trabalhar e vendi a casa antiga deles para comprar um pequeno apartamento para mim. Mandei o resto do dinheiro que não usei para eles, afinal, podiam estar passando dificuldades.

- Ainda sim os ajudou?

- São meus pais! - disse, sorrindo. - Mantive contato com eles até não conseguir ligar mais, por vergonha de constantemente estar desempregada. Sempre arranjava trabalhos rápidos e graças a Deus o apartamento era meu, por que quando o dinheiro faltava, eu só tinha contas atrasadas e não um aluguel inteiro! - ri da minha própria situação. - Amadureci muito rápido, aprendi a cuidar de mim mesma. 

- Então a liberdade te fez bem? - Henzo questionou, enquanto prendia a respiração para acumular ar e tentar encher o colchão.

- Você não imagina como! - disse, rindo ao observar ele ficar roxo de tanto soprar ar para o colchão. - Eu trouxe uma bomba que pode fazer esse serviço por você.

Ele soltou o colchão imediatamente.

- Só estava tentando ser útil. - riu, sem graça. - Eu fugi de casa. - disparou e eu o encarei. - Desculpe admitir assim, sem aviso. Mas você estava me contando sobre sua vida de autonomia e só consegui pensar em como a falta dela me prejudicou. Meus pais não me entendiam, eu não podia sair, viver minha vida, conhecer amigos, socializar. Meu mundo girava em torno dos conhecidos deles. Fui proibido de tantas coisas que o desejo de fugir se intensificou em meu coração. Vim trabalhar no circo, mas quando consigo, eu os visito. Nos natais e festas de família. Ainda sim, para eles, eu sou um filho perdido agora. Um estranho. Até por que, não posso tirar a maquiagem para vê-los e isso os incomoda muito.

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