Capítulo 16 - Esquecimento do passado

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— Não consigo explicar a mim mesmo como pode o homem aproveitar da experiência adquirida em suas anteriores existências, quando não se lembra delas, pois que, desde que lhe falta essa reminiscência, cada existência é para ele qual se fora a primeira; deste modo, está sempre a recomeçar.  

  Suponhamos que cada dia, ao despertar, perdemos a memória detudo quanto fizemos no dia anterior; quando chegássemos aos 70 anos,não estaríamos mais adiantados do que aos 10; ao passo que recordando asnossas faltas, inaptidões e punições que disso nos provieram, esforçar-nos-emos por evitá-las.

 Para me servir da comparação que fizestes do homem, na Terra, como aluno de um colégio, eu não compreendo como este poderia aproveitaras lições da quarta classe, não se lembrando do que aprendeu na anterior.Essas soluções de continuidade na vida do Espírito interrompemtodas as relações e fazem dele, de alguma sorte, uma entidade nova; do quepodemos concluir que os nossos pensamentos morrem com cada uma dasnossas existências, para renascer em outra, sem consciência do que fomos;é uma espécie de aniquilamento. 

 — De pergunta em pergunta, levar-me-eis a fazer um curso completo de Espiritismo; todas as objeções que apresentais são naturais em quem ainda nada conhece, mas que, mediante estudo sério, pode encontrar-lhes respostas muito mais explícitas do que as que posso dar em sumária explicação que, por certo, deve sempre ir provocando novas questões. 

Tudo se encadeia no Espiritismo, e, quando se toma o conjunto,vê-se que seus princípios emanam uns dos outros, servindo-se mutuamentede apoio; e, então, o que parecia uma anomalia contrária à justiça e àsabedoria de Deus, se torna natural e vem confirmar essa justiça e essasabedoria. Tal é o problema do esquecimento do passado, que se prende aoutras questões de não menor importância e, por isso, não farei aqui senãotocar levemente o assunto.Se em cada uma de suas existências um véu esconde o passado doEspírito, com isso nada perde ele das suas aquisições, apenas esquece omodo por que as conquistou.

 Servindo-me ainda da comparação supra com o aluno, direi quepouco importa saber onde, como, com que professores ele estudou as matériasde uma classe, uma vez que as saiba, quando passa para a classe seguinte.Se os castigos o tornaram laborioso e dócil, que lhe importa saberquando foi castigado por preguiçoso e insubordinado?

 É assim que, reencarnando, o homem traz por intuição e como ideiasinatas, o que adquiriu em ciência e moralidade. Digo em moralidade porquese, no curso de uma existência, ele se melhorou, se soube tirar proveito  das lições da experiência, se tornará melhor quando voltar; seu Espírito,amadurecido na escola do sofrimento e do trabalho, terá mais firmeza;longe de ter de recomeçar tudo, ele possui um fundo que vai sempre crescendoe sobre o qual se apoia para fazer maiores conquistas. 

A segunda parte da vossa objeção, relativa ao aniquilamento dopensamento, não tem base mais segura, porque esse olvido só se dá durantea vida corporal; uma vez terminada ela, o Espírito recobra a lembrançado seu passado; então poderá julgar do caminho que seguiu edo que lhe resta ainda fazer; de modo que não há essa solução de continuidadeem sua vida espiritual, que é a vida normal do Espírito.

 Esseesquecimento temporário é um benefício da Providência; a experiênciasó se adquire, muitas vezes, por provas rudes e terríveis expiações, cujarecordação seria muito penosa e viria aumentar as angústias e tribulaçõesda vida presente.Se os sofrimentos da vida parecem longos, que seria se a eles se juntassea lembrança do passado?Vós, por exemplo, meu amigo, sois hoje um homem de bem, mastalvez devais isso aos rudes castigos que recebestes pelos malefícios quehoje vos repugnariam à consciência; ser-vos-ia agradável a lembrança deter sido outrora enforcado por vossa maldade?

 Não vos perseguiria a vergonhade saber que o mundo não ignorava o mal que tínheis feito? Quevos importa o que fizestes e o que sofrestes para expiar, quando hoje soisum homem estimável?

 Aos olhos do mundo, sois um homem novo; eaos olhos de Deus, um Espírito reabilitado. Livre da reminiscência deum passado importuno, viveis com mais liberdade; é para vós um novoponto de partida; vossas dívidas anteriores estão pagas, cumprindo-voster cuidado de não contrair outras.

 Quantos homens desejariam assim poder, durante a vida, lançarum véu sobre os seus primeiros anos! 

Quantos, ao chegar ao termo desua carreira, não têm dito: "Se eu tivesse de recomeçar, não faria mais oque fiz!"

 Pois bem, o que eles não podem fazer nesta mesma vida, fá-lo-ão em outra; em uma nova existência, seu Espírito trará, em estado de intuição,as boas resoluções que tiver tomado. É assim que se efetua gradualmente o progresso da humanidade.

  Suponhamos ainda — o que é um caso muito comum — queem vossas relações, em vossa família mesmo se encontre um indivíduoque vos deu outrora muitos motivos de queixa, que talvez vos arruinou,ou desonrou em outra existência, e que, Espírito arrependido, veio encarnar-seem vosso meio, ligar-se a vós pelos laços de família, a fim dereparar suas faltas para convosco, por seu devotamento e afeição; nãovos acharíeis mutuamente na mais embaraçosa posição, se ambos voslembrásseis de vossas passadas inimizades? 

Em vez de se extinguirem, osódios se eternizariam.Disso resulta que a reminiscência do passado perturbaria as relaçõessociais e seria um tropeço ao progresso.

 Quereis uma prova?

 Supondo que um indivíduo condenado às galés tome a firme resoluçãode tornar-se um homem de bem, que acontece quando ele terminao cumprimento da pena?

 A sociedade o repele, e essa repulsa o lança denovo nos braços do vício. Se, porém, todos desconhecessem os seus antecedentes,ele seria bem acolhido; e, se ele mesmo os esquecesse, poderia serhonesto e andar de cabeça erguida, em vez de ser obrigado a curvá-la sob opeso da vergonha do que não pode olvidar. 

Isto está em perfeita concordância com a Doutrina dos Espíritos, arespeito dos mundos superiores ao nosso planeta, nos quais, só reinando obem, a lembrança do passado nada tem de penosa; eis por que seus habitantesse recordam da sua existência precedente, como nós nos recordamoshoje do que ontem fizemos.Quanto à lembrança do que fizeram em mundos inferiores, ela produzneles a impressão de um mau sonho.  


Essa introdução aos estudos do espiritismo, nos traz conhecimento da verdadeira palavra cristã.

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