Yoongi

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O dia amanheceu cinzento.

Yoongi frequentemente ficava de bom humor independente da maneira que o dia amanhecia, traço nítido quando se tratava dele. Sempre foi surpreendentemente brincalhão, mas tinha uma mentalidade alguns anos à frente de sua idade. Era engraçado observar algumas coisas, como o jeito que sua pele pálida raramente se convertia em expressões ou o jeito que suas pálpebras curtas deixavam seus olhos bem pequeninos, olhos que dificilmente poderiam receber uma leitura, rápida e profunda, precisa. Mistério era uma palavra divertida para ele, porém era algo que mascarava seu coração gentil somente nos primeiros 20 minutos.
Já durante a semana, ele estava um pouco distante mas, naquele dia, acordou de um jeito diferente: estava mais sério, quieto e pouco tolerante. Como eu tinha acordado há algumas horas antes, vi que dormia pesado. Tive certeza de que ele havia ficado sem dormir a maior parte da noite. Ainda pela manhã, vi-o de pé, com a xícara na mão e bem vestido, permanentemente parado e fitando o chão perto dos armários. Observando, apreensiva e apoiada na bancada de madeira onde as coisas do café da manhã estavam, eu teria reconhecido aquele olhar de longe: ele estava deprimido. Meu peito apertou. Aproximando-me, decidi que deveria perguntar, com cautela, o que estava acontecendo.

  — Ei, está tudo bem? O que que houve?
  — Eu estou bem, só um pouco indisposto - comentou, sem olhar nos meus olhos.
   — Você ficou sem dormir à noite outra vez, não foi?
  — Eu já não te disse que estou bem? Por que você está tão preocupada?

Ele largou a xícara com desleixo perto da pia. Arregalei os olhos por 2 segundos. O modo áspero dele de falar e agir quase me pega de surpresa. Eu sabia que deveria conceder espaço, mas eu não conseguiria seguir pensando no que poderia tê-lo deixado daquela forma. Tinha consciência de que insistir seria inútil, mas não admiti.

  — Eu não estaria preocupada se eu não me importasse com você. Desculpe por tentar entender o que você sente.
  — Você não tem que entender nada agora - ele mal levantou a cabeça para falar comigo e travou o maxilar por um momento. — Só preciso de um tempo sozinho.
— Yoongi, presta atenção, olha para mim - fui em sua direção e minhas duas mãos levemente entraram em contato com seu rosto. — Olha para mim...

Ele chegou perto de ter um reflexo fugitivo, mas parou. Sua respiração se tornou pesada e observou bem no fundo dos meus olhos. Por um milésimo de segundo, o tempo parou. Senti Yoongi se afastar de sua posição defensiva instantaneamente... vi medo, angústia, apreensão. Meu rosto começou a queimar e eu afastei minhas mãos devagar do rosto do menino - foi o instante certo para que ele saísse rapidamente da cozinha e mudasse de cômodo. E eu sabia exatamente para onde ele iria. Não fui atrás.
Ainda que em choque, senti que precisava manter a calma - depois de um tempo juntos, eu conseguia compreender parte do manual de funcionamento dele, mas eu precisaria de bem mais do que um ano ou dois para me tornar profissional. Algumas coisas eram fáceis de interpretar por olhares, mas isso não acontecia sempre. Como podíamos ser tão iguais e tão... diferentes?

2h se passaram. Pouco sinal de vida.
Na sala, a televisão estava desligada. A luz do sol entrava pelas janelas compridas da casa e esquentava meus pés, encolhidos junto à mim, no sofá.
Queria que Yoongi tivesse a chance de respirar, mas eu não conseguia parar de pensar no que poderia ter acontecido: se estava machucado, frustrado, se havia machucado alguém, se havia escutado algo ruim, se havia dito... minha cabeça não parava de trabalhar, cada segundo me surgia uma ideia nova - ouso inclusive dizer, paranóia. Assim, um tempo considerável tinha passado desde que sumiu, eu tinha poucas alternativas: eu tinha de vê-lo.

Ainda com o peito apertado, nadando cada vez mais fundo dentro das possibilidades, a hipnose só foi interrompida quando escutei um som bem agudo, bem fino, agradável, uma nota muito curta seguida de algumas outras poucas. O som que eu mais amava no mundo e o que ele mais amava também: o piano. Percebi que a melodia corria solta há bastante tempo, antes denotada de sons graves e pesados que suplicavam, intermináveis. Peguei-me sorrindo por uma fração de segundo ao pensar que ele tinha me deixado estável ao tocar, de fato, era muito bom no que fazia e eu era irremediavelmente apaixonada pelo modo que ele cumpria sua tarefa. Para onde mais ele iria senão ao colo do seu primeiro amor? Bastava seguir o som, ainda que eu soubesse o caminho para o ambiente no momento em que ele desapareceu de minha frente.

7 Shots (BTS)Onde histórias criam vida. Descubra agora