Declan
O Jipe balançou ao passar em uma estrada esburacada. A guerra estava longe de acabar. Um pouco abalado por conta do que vivi no campo de batalha, procurava não pensar nos gritos de dor que ouvi tao próximos de mim e muito menos nas bombas e tiros que ecoavam por todos os lados.
Quando meu pai me disse que a guerra era a pior parte da humanidade achei na época que fosse apenas palavras para que eu não me envolvesse em brigas, mas depois destes quase cinco anos percebi o sentido por trás daquele alerta.
Fazendo parte da destruição causada pela guerra, estando dentro dela ainda, pude sentir na pele como era a pressão de saber que um erro poderia piorar tudo incluindo e prejudicando terceiros e como a distancia da família poderia ser terrível pois nunca sabiamos se estaríamos vivos dali a poucos segundos ou suspiros. O maior medo que tive foi quando achei que não voltaria para casa.
A morte tão precoce do rapazote que conheci e acabou se tornando meu amigo — algo raro já que estavamos na guerra e até mesmo irmãos se tornavam inimigos no campo de batalha — me pegou de surpresa e fiquei muito abalado todavia que se ele não tivesse sido atingido eu teria e então não estaria aqui voltado para casa.
Owen me encontrou enterrando o rapaz na vala em que nos escondiamos e ali me informou com um abraço que retornariamos para casa. Ao subir no Jipe de madrugada e me despedir dos companheiros, senti uma grande emoção. Antes do garoto falecer ele olhou bem em meus olhos e pediu:
— Quero que volte para casa e cuide da sua família.
O pobre garoto havia sido criado em um orfanato e com o anuncio da guerra foi convocado logo de início. Comovido por sua historia acabei o acolhendo como um irmão. Pela primeira vez senti o peso da morte em minhas costas. Matei, protegi e novamente matei.
Contra a minha vontade tirei a vida de homens, que assim como eu, tinham família e só queriam retornar vivos para elas. Muitos tinham filhos pequenos que certamente passariam fome após sua morte e outros noivas e esposas que ficariam viúvas antes do tempo. Em todo o momento especificamente quando a bala lhes perfurava o corpo e roubava-lhes a vida, eu me punha em seus lugares e imaginava como seria se eu morresse; deixaria uma noiva e uma irmã a merce da vida.
Ali não eramos homens atrás de vingança — pelo menos os detinham a arma em punho — e sim homens cujo o único objetivo era voltar para suas famílias. Matavam para não ser os pobres azarados que jamais regressaram para seus lares. Como todos eu também queria poder rever minha noiva e minha irma e com isso matar se tornou nosso novo fardo depois de lembrar que cada um naquele campo e vala, eram homens que tinham a mesma vontade que nós.
Nesta guerra, diferente da anterior que meu pai me descreveu com desprezo e indignação de detalhes, eu vi soldados ajudando inimigos e inimigos cuidando de inimigos, vi mulheres lutando por seu povo e homens chorando por seu país destruído, ouvi orações; suplicas e lamúrias, senti na pela a dor de ser ferido e na alma a fraqueza por ser considerado mais um assassino pela família dos homens que matei, observei soldados rindo para tentar encobrir a culpa e outros amargurados no ambulatório, de longe pude ver lágrimas; dor; sorrisos, mas a única coisa que todos sentiam em igualdade era o medo.
Regressar para casa depois de tantos anos longe do carinho e conforto de um lar, me parecia injusto para aqueles que agora nada mais eram do que corpos enterrados em um campo destruído e lamacento tanto por lágrimas de olhos humanos quanto por lágrimas do céu.
Passando as mais nos cabelos que voavam destrambelhados em meu rosto, tentei engolir a sensação estranha que me amargava a boca e massacrada meu coração.
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Traveler - Destinados a se encontrar
RomanceO que você faria se de uma festa de noivado no ano de 2012, você fosse parar em 1939 no início da Segunda Guerra Mundial? Kirsty até então uma residente de medicina muito focada no trabalho e adoradora de bons livros, vê seu mundo transformado e jog...