3. ela se nega

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3. ela se nega

     — E aí, Lívia! — Escutei falarem comigo.

     Estava guardando os meus cadernos, todos os meus livros e o estojo dentro da mochila, esperando o mutirão de alunos saírem da sala. Não queria nenhum deles me empurrando ou sentindo a pressão de falarem comigo. Mesmo que me incomodasse com a solitude, não era papel deles me chamarem quando não achassem necessário e eu não queria fazer parte de nenhum grupo enquanto não me sentisse bem com eles.

     Era difícil me sentir bem com eles.

     Mais difícil era acreditar que alguém, especialmente um menino, fosse falar comigo, sozinho e sem nenhum grupo pra dar suporte. A maioria deles ficava longe de mim e "protegendo" sua masculinidade depois que eu acabei quebrando o dedo de um colega que achou legal comentar como devia ser bom "meter em mim". 

     Olhando devagar pra cima, o rosto dele era redondo e tinha três pintas através de uma das suas bochechas, o nariz tinha um cartilagem bem no meio que fazia ele ser um pouco mais largo e lábio inferior era cheio. Os olhos escuros adornados por cílios mais compridos que os meus estavam me fitando enquanto eu não dava uma resposta. 

     Quando eu não falei nada, ele balançou a cabeça e entendeu finalmente que era pra ele continuar. 

     — Certo... Eu queria saber a tua grade horária? Tem alguns dias que eu não te vejo na aula...

     No instante que ele começou a falar eu já sabia que aquilo ia ser seguido de um pedido de ajuda, e eu não me importava em ajudar ele especificamente. Já tinha notado como ele prestava atenção mas normalmente ia mal nos trabalhos. Talvez fosse difícil colocar no papel o que ele aprendia escutando.

    — Tem como eu te falar isso segunda? — Perguntei, sem sorrir mas tentando o máximo não ser grossa. 

    — Ah, pode ser. — Respondeu sem jeito, uma das mãos alcançando o cabelo raspado e coçando o couro cabeludo. Eu sorri de lado, o máximo que consegui, e acenei pra ele. 

     Virando para o professor, acenei e dei tchau para ele, e então segui para a porta que já não possuía um monte de pessoas. Caminhando pelo corredor deserto, meu colega tinha ficado para trás, e eu escutei a sua voz ecoando pelas paredes. Os estudantes normalmente iam embora assim que pudessem, ou para o bar que ficava atrás do campus ou pra qualquer outra festa, porém ele ficar conversando com o professor mostrava que talvez ele realmente precisasse de ajuda. 

     Descendo as escadas passei pelos bancos laranjas na entrada do prédio e estava pronta para seguir até a parada de ônibus, porém antes que eu pudesse ir para a minha casa e sofrer um pouco mais sem saber o que fazer em relação ao aluguel, Aquiles estava encostado em uma das lacunas cobertas por azulejos azuis. 

     Seu rosto mostrou que ele ficou levemente irritado que eu tinha visto ele antes de ele vir falar comigo, e ele estava certo em se sentir assim, porque ver ele assim fazia com que a repulsa começasse muito antes de ele abrir a boca. 

     — Eu não me lembro de ter pisado em ti pra tu colar em mim feito chiclete em sapato. — Disse, começando de leve, só para ver a reação que ele ia ter. — Tua masculinidade não cansa? 

     Com um sorriso, ele saiu da onde estava e caminhou na minha direção, eu voltei a andar no momento em que ele fez isso, sem paciência. 

     — É estranho eu levar isso como um elogio? Tu pensou em chiclete antes de "merda em tamanco", estou lisonjeado. 

Boa noite, Aquiles ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora