Capítulo III

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Richard:

Foi difícil ver o Tom naquela situação. O pior foi ver um cara tão cheio de vida, se mostrar tão fraco na nossa frente. Não o culpo, estar condenado a ficar em cima de uma cadeira-de-rodas pro resto da vida é tão difícil de assimilar quanto acreditar no amor, ou que a senhora Augusto Ferreira não fez cirurgias plásticas pelo menos umas cinco vezes na vida. Era uma professora que tivemos no fundamental dois, chegava a ser ridícula a forma que ela desmentia essa nossa tese.

Voltamos e percebi que todos estavam como eu: tristes. Ao menos ele não ficou tetraplégico. O que causaria em nós, aquela sensação de impotência e pena por ele: algo que Tom odiava do fundo da alma.

Levei cada um a sua casa, ninguém disse nada. Apenas nos despedimos sem muitas cerimônias. Henrique não se sentiu bem quando chegamos e se trancou no quarto. Entendo o lado dele.

Fui para o meu quarto e me tranquei também, mas não antes de pegar a garrafa de café, e algumas bolachas. Meu livro me espera.

Escrevi até dar o horário de ir a faculdade. Então tomei um banho e me arrumei. Hoje resolvi ir de carro. Amanhã tenho entrevista de emprego.

Tenho que descansar bastante para estar apresentável amanhã, e não com uma cara de zumbi. Espero conseguir esse emprego. Será temporário obviamente, já que penso em ir para o Canadá ainda neste fim de ano.

Vou até o quarto do Henrique e ele está dormindo com o controle do videogame enrolado junto a coberta. Por muitas vezes Tom cuidou dele, e isso tinha um significado inimaginável para o meu irmão. Vou até ele e desligo o aparelho, e retiro o controle da cama. Hoje ele até se esqueceu que tinha faculdade à tarde.

Depois disso fui até a garagem e peguei meu carro. Bati na partida, e me mandei para Registro. As ruas estavam vazias, como a minha alma naquele momento, como as dos próximos a mim, que viram Tom naquela situação hoje no hospital. Coloquei qualquer coisa no rádio para esvaziar a mente. Odeio me sentir sufocado, e era assim que eu estava me sentindo. Peguei a BR, tranquila também. Passo o pedágio e observo as trevas tomar conta do que, mais cedo, era coberto pelo clarão do sol.

Chego a faculdade em menos de uma hora, e me dirijo ao estacionamento. Encontro uma vaga próxima a saída e encosto o veículo, procuro a melhor forma de estacionar e assim faço. Pego o material escolar e, logo estou passando as catracas de entrada. Em poucos minutos estou mais uma vez na sala 01 do bloco "G". Hoje poucos alunos se faziam presentes na classe, o que em tese era bom, visto que eu poderia me sentar mais à frente.

Quando me sento, sinto meu celular vibrar no bolso. Amanda. Dizendo que ela e o Rafael estão me esperando mais cedo na cantina, certamente para conversarmos sobre o dia tenso de hoje. Digito que sairei da sala assim que puder e desligo meu celular. A aula começa. Logo se passam meia hora.

— Digam, vamos... uma experiência negativa será o começo, a primeira coisa que vier a mente. Vou começar com... — pensava a bela professora de psicologia, só não imaginei que... — Richard, pode nos contar algo? É simples, vamos...

— Ok!

— Isso, pode dizer o que quiser.

— Bem... hoje eu poderia dizer que é a minha pior experiência em anos — comecei. A professora pareceu se interessar.

— E por quê? — logo se prontificou a questionar. Os alunos estavam atentos.

— Um amigo...

— E o que tem ele?

— Há algumas semanas, se acidentou de carro. Velocidade alta. Ele... ficou paraplégico. E... bem, hoje foi a primeira vez que o vi, desde...

— Muito bem classe, é assim que se faz. Muito obrigado.

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