Capítulo V

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Raquel:

Posso ser tachada do que for, egoísta, preconceituosa, até fascista. Mas não, não vou ter um namorado assim. Eu gosto dele, mas qual é. Eu tenho meus vinte anos, que garota se prende a alguém nessa idade? Vou para o Rio de Janeiro, passar algumas semanas por lá.

O acidente foi ontem, soube da notícia que ele ficaria paraplégico, eu o avisei pra que não abusasse na bebida alcoólica. Fiz minha parte como namorada, não fiz? Se tem alguém culpado nisso tudo, esse alguém é ele.

Droga, Tom, porque tinha que fazer isso? Acabou com tudo. Nossos planos, sonhos, tudo, sem restrições, se foram por água abaixo. Meus pais te odeiam, eles vão apoiar minha decisão.

Liguei pro meu pai, quando estava no aeroporto de São Paulo, rumo ao Rio de Janeiro.

— Alô, pai?

— Raquel? Por que está me ligando? Sabe que tenho compromisso, aconteceu algo urgente? — esse é o meu pai. Só tem tempo pros negócios, e pra minha mãe.

— Bom falar com você também, pai. Só liguei pra avisar que estou indo pro Rio. Me pega no aeroporto, ok?

— Por que está vindo? Seu namorado pateta vem junto?

— Não, pai, a gente terminou. Te conto melhor a história quando chegar aí.

— Ok, que horas vai chegar aqui?

— Acho que às 14h00.

— Muito bem. Se cuida filha. Vou desligar, tenho trabalho a fazer.

— Está bem. Beijo!

Fim de chamada. Ligações entre nós da família geralmente são formais, e sem interesse emocional. Fazer o quê, não temos culpa de ter negócios expandindo no Brasil.

Eu só queria passar mais tempo com meus pais, mas tudo bem, me dão tudo que preciso. Roupas, sapatos, jóias, e dinheiro. Eu namorava o Tom, mas não tinha um por quê. Ele não era rico, porém tinha presença, e era popular. Talvez só isso me prendia a ele.

A quem estou querendo enganar.

Ele me fará falta? Esse não, apenas o que morreu junto com o acidente. Esse que ficou na cadeira-de-rodas é apenas a carcaça daquele que um dia foi o garoto dos meus sonhos.

As ligações e mensagens no meu celular não param. Amigas, desconhecidos, imbecis da faculdade. Todos querendo saber onde estou. Inclusive uma mensagem do Tom, a única que me chamou atenção.

"Sinto sua falta, me liga, eu não tô nada bem."

A vida não é um mar-de-rosas. Eu sinto falta também. Só que você se limitou. Limitou seus sonhos, limitou-se a não andar mais, se limitou a ter uma vida complicada, e sem amigos de verdade. Limitou-se a ficar sem mim. Eu chorei por você, garoto. É sinal de que eu te amava. Mas me amo mais. E de limitado já basta você, não vou me limitar também.

"Vôo com destino ao Rio de Janeiro."

Meu avião vai decolar. Férias disso tudo. Desse inferno que foram esses últimos dias. Vou em direção ao embarque, e vejo uma cena curiosa. Um rapaz empurrando uma garota em cima de uma cadeira-de-rodas. E ria sem parar. Ele era realmente maravilhoso de tão lindo, e ela era feia, e ainda por cima não podia andar. O que o leva a ficar com uma pessoa nesse estado? Dinheiro, talvez. Com certeza a moça é rica, e ele pobre.

Esqueço os dois e embarco no avião. Pego os fones-de-ouvido e meu celular e coloco em uma música qualquer, quando de repente recordações me veem a mente, aquelas em que eu não queria lembrar:

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