01 | c a f e t e r i a

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Windy Takara Zim
Los Angeles, Califórnia
11.02.2010

Observo como seus olhos se apertam enquanto lê um jornal. Ele sempre parece desatento. Nunca parece perceber nada ao seu redor. É como se estivesse em seu próprio mundo. A atendente sempre se desmancha em sorrisos quando entrega seu chá gelado. O homem abre um sorriso de volta e, porra, ele é tão atraente. Mesmo que eu saiba que a tatuagem na lateral do seu pescoço seja de uma gangue que eu apenas ouvia falar quando era criança.

— Ele é gostoso. — Luana diz, trazendo-me novamente para a realidade — Está vendo como suas unhas são bem cuidadas? Eu adoro isso. São iguais às do Almirante. Se você der sorte também, pode significar que a chupada dele é uma delícia. E é bem grande e bonita, o pau dele deve ser bem cuidado, semelhante a isso.

Não me dá tempo de responder quando seus olhos se fecham ao passo que uma leve expressão de desconforto toma seu rosto de boneca. Suas mãos estão sobre a barriga pequena, mas notável. Não está tão grande quanto na sua gravidez passada, claro eram três e já descobriu tarde, mas o tamanho era surreal. Eu nem sei como aguentava caminhar com tanto peso. Agora, na vez das gêmeas, está mais tranquila. Afinal, elas são saudáveis e não está com tantos problemas gestacionais, diferente dos meninos. E sua barriga está de um tamanho aceitável para duas garotinhas espaçosas. Estou ansiosa para saber se terão carinhas de joelho ou talvez já nasçam lindos como os irmãos.

— Foi uma contração? — questionei, preocupada. Eu sei que sua gravidez pode estar mais tranquila, mas eu não consigo tirar a passada da cabeça, isso só me faz ficar mais atenta a cada expressão sua.

Estamos numa cafeteria, obviamente. Tínhamos uma tradição de vir aqui toda quinta. Depois que sua vida foi se complicando com seus filhos, foi ficando cada vez mais raro os nossos momentos. Era mais comum passar as tardes aqui quando nos reuníamos para trabalhar ou apenas passar um tempo juntas. Hoje em dia, ainda somos muito grudadas, mas eu sinto falta de como era antes. Não que ela me afaste. Longe disso. Sempre está arrumando tempo para todas nós. E dá vontade de guardá-la num potinho para que não sofra nunca mais.

— Não, passou. É apenas elas crescendo. Foi só... — deu de ombros, respirando fundo. Seu telefone tocou e meus olhos se desviaram de volta para o homem que eu estava estudando. Puta merda. Ele está me encarando agora. Eu preciso desenhar esse olhar, é tão profundo e descarado, como eu estivesse despida e ele estivesse me apreciando. — Oi, Capitão. Não, tá tudo bem. Sim, eu ainda estou com a Japa. Uhum. Eu prometo. Tenho certeza que se você fizer uma massagem em minhas pernas vai aliviar bastante. — ela deu uma risada — Ok. Nós não vamos embora logo, eu acho. Está bem. Tchau, tchau.

— Vocês são muito grudentos. — reclamo, voltando a me concentrar no meu desenho.

Eu só estou implicando e a brasileira sabe disso. Eu acho fofo como seu marido se preocupa. Ele liga a cada hora pra saber como estão e é super pontual. Eu o entendo. Também fico super preocupada, sua gravidez passada foi tão tensa que todos nós ainda estamos traumatizados. Dessa vez que descobrimos cedo, os cuidados se redobraram para que ela não sofra tanto no final da gravidez.

— Não importa o quanto eu diga que não precisa me ligar toda hora, entra por um ouvido e sai pelo outro. — suspira, fazendo drama e inclina o queixo levemente para voltar a falar do nosso antigo assunto — Qual deve ser a sua história?

— Um cara rico que sempre teve tudo, entrou numa gangue na adolescência para chamar a atenção dos pais, saiu quando percebeu que era idiotice e agora vive em uma tediosa vida bacana.

A DesenhistaOnde histórias criam vida. Descubra agora