Sobre ser amada*

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Os próximos dias se sucederam somente como repetições. Eu nem sei ao certo quando eu soube diferenciar quando eu estava acordada ou sonhando. Eu ouvia o barulho da porta a todo instante com pessoas que falavam coisas complicadas demais e, nenhuma voz conhecida. Todos me chamavam de pequeno milagre e eu não sabia se deveria acreditar que isso era realmente um milagre.

Ainda desalenta levanto-me com todos os esforços possíveis para eu sentar na minha cama. Eu não estava de todo desinformada, nesta altura já haviam certezas como eu estar em algum hospital e, ainda mais recentemente, a confirmação da morte da minha mãe.

Recordo-me que a notícia veio com tão forte abalo como os trovões mais fortes do céu. Uma mulher que não sei quem era veio e sentou se em minha cama e segurou minha mão me entregando um pequeno terço, lembrança de minha mãe. Eu ainda posso ser uma criança, mas não foram necessárias palavras para que eu compreende o ato. Naquele instante, nenhuma lágrima saiu dos meus olhos e eu pensei que eu também fosse incapaz de chorar agora. No entanto, elas só estavam esperando a noite fria chegar para que as lágrimas pudessem descer e fora assim por 5 dias seguidos. Até que entendi que não deveria mais chorar, não poderia na verdade, pois meus olhos estavam cobertos com uma bandana e era horrível deixar eles encharcados em meu rosto e eu não poder tirar, por mais que tentasse.

Com relação ao meu pai, não sabia o que tinha acontecido e tampouco me interessava, não sabia onde minha vovó estava e o que tinha acontecido com ela, não sabia nem para onde iria.

Minha mente estava vazia e incompleta e meus dias se passavam com rotinas fixas de exames e mais exames. Com vozes querendo saber em que parte do meu corpo dói e o que eu enxergo quando tiram a venda do meu rosto e eu não sei explicar porque é nada e nada mesmo. Não tem azul, rosa, amarelo, verde nem o vermelho que eu odeio tanto na minha vida aparece. Eu não vejo nada, porém não enxergo em preto. Isso é trabalho demais para uma criança pensar.

Minha vida estava tão vazia quanto meus pequenos olhos.

__Alana, temos novidades para você, tem uma fila de pessoas querendo te adotar

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__Alana, temos novidades para você, tem uma fila de pessoas querendo te adotar.- Disse Thereza em meu quarto.

Ela era de fácil reconhecimento, sua voz era falha e ela costumava usar o mesmo perfume extremamente doce que me recordar de perfumes que senhoras de cabelo grande usando vestidos coloridos e um xale costumam utilizar.

_ ...Seu caso ficou muito famoso minha querida e isso chamou a atenção de todos e todos querem te conhecer...- Ela continuava em dizer enquanto eu fixava minhas forças para que minha narina pudesse esquecer todo o cheiro do perfume que contaminava o ambiente.

_... Vai levar um tempo ainda pois você tem que se recuperar, mas logo depois nós vamos selecionar famílias para te conhecer e ver como elas se adequam as suas...necessidades.

Necessidades, era isso que me qualificava. Eu precisar de apoio por possuir necessidades, eu havia me tornado um peso sem nem ao menos perceber.

Sua voz cessa mas ouço seus passos vindo em minha direção. Ela senta-se tão próxima a mim na cama que desejo por um segundo perder o olfato ao invés da visão só pra não sentir aquele perfume entrar nas minhas narinas. Com um ato inesperado, ela me deu um beijo na testa.

_ Minha querida, se passaram 2 meses e eu sei que ainda dói essa solidão e, eu queria te falar que ela vai passar, porém infelizmente não seria uma verdade. A dor com o tempo diminui e a saudade dá lugar as suas lembranças boas...- Sua voz pesava e eu me perguntava se ela estaria realmente falando para mim ou para ela-... bem, o que quero dizer é que você irá para um lugar onde será amada.

Ela se afasta.

_ Eu já era amada.- Eu digo ríspida em um tom que eu mesma desconhecia.

_ Eu sei.

_ Não, não sabe. Por que você e todas as pessoas só ficam falando daquele dia e eu estou cansada de ouvir que minha mãe ou minha avó não vão voltar. Eu sei que não tenho mais família, mas eu quero minha mãe de volta porque antes disso tudo ela era...não! ela é a melhor mãe do mundo. A que me deixa brincar na rua com meus amigos, a que faz achocolatado pra mim, a que me deu lápis de colorir novos que infelizmente não vou usar por que eu não enxergo. Então não me diga que sabe como eu fui amada por que você não sabe e por mais que você ache que alguém poderá me amar tanto ou substituir minha mãe, não poderá. Nem aqui, nem nesse universos ou em todos os outros se existir então a senhora pode me achar uma ''família'' com casa mas nunca terá amor novamente na minha vida por que a única pessoa que me amou se foi e a pessoa que dizia amar minha mãe foi quem a destruído e ser isso for ser amada, eu prefiro não ser.

Eu nem sabia mais se ela estava na sala ou se eu estava falando e chorando sozinha em um quarto estranho. Contudo, era bom finalmente eu falar. Esses dias que a vida retirou minha visão, levou também a minha voz. Era consolador eu consegui finalmente falar tudo o que eu queria.

Um pequeno barulho de uma luz sendo apagada tomou o lugar e depois disso tudo ficou quieto novamente. Eu não queria dormir pois eu aprendi com todos esses dias que a pior parte da cegueira é que ela não livra seus sonhos e por mais que antes eu amasse sonhar agora só me via voltando aquele dia e eu estava cansada de tudo sobre aquele dia. 

Num piscar de olhosOnde histórias criam vida. Descubra agora