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Mark


Encaro o rosto feminino, borrado de maquiagem. Meus dedos alcançam seu curto cabelo negro. Reparo em seu pulso direito amarrado, uma pequena mancha preta sobre uma cicatriz e, quando olho mais atentamente, noto que se trata de uma tatuagem, metade de um coração. Isso pode ter vários significados, mas eu não quero pensar nisso agora.

Enquanto analiso minha atual situação, imagino a razão que levou essa mulher a tentar me dar um golpe. Eu não era seu foco, mas isso não impediu que ela tentasse me fazer dormir. Claro que só descobri isso dopando-a antes. Ainda bem que minha intuição estava certa.

— Eu não fiz nada... — Seu semblante assustado não me comove.

— Claro que você não fez. Fui mais esperto que você.

— Não tentaria nada. Você não é o tipo de... — interrompe o que ia dizer e eu estreito os olhos, intrigado com o que ela estava prestes a dizer.

— Velho e rico? O tipo de pessoa que você engana? — tento adivinhar o que ia me dizer, mas ela não responde. — Que tipo de prostituta é você ?

Ela também ignora minha pergunta e insiste em se manter calada. Os braços e pernas presos e olhos fixos no teto.

— Tudo bem. — Ergo-me. — Tenho todo o tempo do mundo. — Começo a andar em direção à porta, na expectativa de que ela diga algo, mas não obtenho qualquer resposta. Viro-me antes de sair.

— Não tente gritar porque serei o primeiro a chamar a polícia.

— Não faça isso. — Seu pedido é a prova de que ela realmente fez algo muito errado.

— Não está lidando com um amador. Pense. A cama é confortável.

— Espere, por favor! Solte uma de minhas mãos! Da forma que me prendeu, não serei capaz de escapar.

Sorrio com sarcasmo.

— Farei melhor. Prenderei suas mãos juntas e assim você poderá coçar o nariz ou a cabeça.

Ela bufa, mas aceita. Desato os nós e rapidamente prendo um pulso no outro. Fecho a porta e decido sair da suíte.

Sei que ela pretendia me fazer dormir, mas preciso saber qual era seu verdadeiro intuito em relação ao meu alvo. Será que tinha ideia da periculosidade daquele homem? Estou ciente de que atrapalhei seu propósito da noite, mas aquela mulher me escolheu como vítima e preciso ter certeza de que ela é apenas uma prostituta.

O elevador me leva até o lobby do hotel. Pensativo, caminho até a cafeteria. O lugar está vazio. Faço meu pedido e me sento em uma das várias mesas disponíveis.

Observo a TV afixada à parede do bar. Vários noticiários sobre economia, encontros inusitados do presidente americano com o ditador norte-coreano. Recebo meu café e volto a prestar atenção na TV. Na verdade não estou preocupado com os noticiários, e sim com aquela mulher, enquanto penso no que farei com ela. Deixei a placa de "não perturbe" presa à porta, mas estou ciente de que não posso ficar muito tempo longe da suíte.

Tomo meu café puro enquanto meus olhos acompanham a TV, e uma notícia em especial chama minha atenção. Ergo-me lentamente, aproximando-me ainda mais, para ouvir o que a reportagem diz sobre certa ladra.

" O pastor Simon Fox, conhecido mundialmente pelas palestras de motivação que ministra, é acusado de abuso sexual de menores; as vítimas seriam adolescentes que frequentavam sua igreja. Segundo seu motorista relatou, uma prostituta que esteve na casa do pastor foi a responsável por encontrar provas, como filmagens e fotos guardadas pelo próprio suspeito. Simon nega os crimes e sobre ter recebido a prostituta, mas afirma que sua casa foi invadida por uma mulher desconhecida. O motorista relatou também que o encontrou desacordado no dia seguinte e que desconfia de que o pastor foi dopado para que a mulher pudesse roubar sem problemas. Câmeras de segurança apenas mostraram os cabelos loiros da mulher, o rosto não aparece totalmente nas imagens."

Por mais que eu não consiga identificá-la, algo me diz que se trata da mesma que está presa em minha suíte. Embora esteja com cabelos negros agora, não posso deixar de notar a mancha preta, parecida com a que vi no braço daquela mulher. Na imagem congelada, ela está tentando esconder o rosto, mas, mesmo que esteja quase imperceptível, eu noto algo no seu pulso direito.

"Não sabemos qual foi a motivação dos roubos e muito menos a razão pela qual a suspeita enviou anonimamente tantas provas para a polícia. Mais três crimes parecidos, cujas vítimas são homens poderosos, estão sendo investigados e, ao que tudo indica, a mesma mulher está envolvida, já que todos foram acusados de crimes sexuais."

Com o cenho franzido, tenho quase certeza de que seja a mulher que está presa neste momento na minha suíte. O que vejo parece absurdo demais para que eu entenda o que realmente está acontecendo. Ao menos ela não precisa mais se explicar sobre o que estava fazendo aqui, mas me intriga sua ousadia em lidar com pessoas tão perigosas.

"O rosto da jovem aparece sempre voltado para baixo, como se ela soubesse exatamente onde estava cada uma das câmeras. Os cabelos loiros, jogados sobre o rosto, dificultam a visibilidade de sua fisionomia. O único detalhe que se sabe com certeza é que ela atraiu cada vítima apenas com a beleza."

Imagino que meu semblante demonstre total perplexidade com o que acabo de ver. Esfrego o rosto com as duas mãos e me afasto. Abandono metade do café e sigo em direção aos elevadores.

Já passei por tanta coisa, mas acho que nunca vi algo remotamente parecido com isso antes. No entanto, ela não deixa de ser uma ladra, já que subtraiu muito dinheiro daqueles homens. Embora a imagem não tenha sido conclusiva, sei que é ela.

Volto para a minha suíte e, lentamente, caminho até o quarto principal, onde ela está. No instante em que entro, sinto que pisei em algo. Olho para o chão e me deparo com uma peruca preta. Surpreendido com o que vejo, abaixo-me e a alcanço no chão.

Com os cabelos sedosos nas mãos eu me apresso até a mulher que dorme sobre minha cama. Quando meus olhos caem sobre ela, eu paro de respirar. Estou diante de uma mulher ruiva, de cabelos longos e ondulados. Se a achava linda antes, agora a impressão que tenho é de que estou diante de uma pintura feita à mão. A aparência perigosa que ela possuía quando usava a peruca escura, deu lugar a uma mulher aparentemente frágil.

A garota se movimenta na cama com as mãos juntas e amarradas. Analiso seu corpo e noto que, ao redor dos tornozelos, há fortes marcas. Um sentimento estranho me consome neste momento. Sinto uma sensação estranha, como se estivesse arrependido por tê-la prendido até machucar sua pele.

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