Capítulo 1

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Ayslin

01 de março de 2017

Quarta-feira

Eu odeio meu trabalho.

Principalmente quando ele fica olhando para mim. Ele sempre olha quando estou atendendo um cliente na mesa, ou lavando os copos mais rápido do que deveria, como estou fazendo agora. O homem de bigode grande, olhos azuis e cabelos grisalhos, ergue a sobrancelha ao olhar para mim. Eu consigo ver seu pé batendo no chão, suas mãos apoiadas sobre o cinto de couro marrom que segura a calça embaixo da barriga saliente. Eu posso ver sua respiração alterada, mesmo atrás daquele balcão de madeira escura.

Droga! Aposto que hoje ele vai me mandar lavar as panelas de novo, como se estivesse me punindo por eu estar irritada. Não seria mais fácil um diálogo para nos entendermos melhor?

Ah, e eu odeio lavar panelas. Principalmente porque ele as quer brilhando como um espelho. Aquilo acaba com minhas unhas e eu nunca consigo deixar o brilho no alumínio do jeito que ele realmente gosta. Aff!

Claro que o meu chefe, o senhor Alcides, já notou que odeio trabalhar aqui. Odeio cliente folgado que exige além do que posso oferecer. Cliente que faz o pedido e depois diz que não foi o que pediu, só para me chatear, ou para me deixar ainda pior, quando tenho que engolir um monte de sapo para não perder o emprego. Cliente que não paga nossos dez por cento, já que agora essa taxa de serviço não é mais obrigatória por lei. Será que as pessoas não têm ideia do quanto esse dinheiro a mais nos ajuda?

Eu me pergunto todos os dias, onde é que eu estava com a cabeça quando entreguei meu currículo nesse restaurante, achando que seria o melhor trabalho do mundo. Tudo bem que, naquela época, eu precisava de dinheiro para me sustentar, manter o aluguel do apartamento, e trabalhar apenas seis horas foi o que mais me agradou, já que eu teria a manhã inteira livre para estudar em casa e poderia fazer meu curso de informática nas noites de terça e quarta, sem me preocupar com nada. Como de fato acontece até hoje.

Solto o ar com força quando coloco o copo no escorredor. Pego o pano de prato e enxugo minhas mãos, notando que o restaurante começa a esvaziar. O lugar não é feio, muito menos pequeno. Conta com doze mesas de madeira com jogos americanos de borracha coloridos sobre elas, cadeiras de madeira almofadadas e painéis de fotos de comida nas paredes. O caixa funciona num balcão grande, também de madeira, de onde prefiro manter uma certa distância, já que meu chefe faz questão de ficar ali o tempo todo. E, quando sai para resolver qualquer assunto fora daqui, não sossega enquanto não termina de conferir todo o dinheiro das gavetas, antes de se ausentar. Até parece que eu quero colocar a minha mão naquele dinheiro. Deus me livre se, por azar do destino, eu perco uma moeda. Uma única moeda sequer, me causaria uma dor de cabeça daquelas. Não quero nem pensar nisso.

A cozinha é pequena, e só comporta duas pessoas de cada vez, o que me dá um certo alívio, já que eu não tenho interesse nenhum em me tornar ajudante do chef Mariano, que por sinal é irmão do senhor Alcides. Ele já tem seus ajudantes, que sofrem como camelos nas suas mãos, carregando a cozinha nas costas. Com seu um metro e sessenta, careca e uma cintura que mais parece um botijão de gás, o homem é um poço de ignorância. Vive gritando e apressando seus ajudantes, como se os coitados fossem máquinas. Não sei se aguento tamanha pressão. Considero Pablo e Bruno dois heróis. Principalmente Bruno, que é o mais solicitado para os serviços de cozinha. Pablo apenas o substitui nas folgas, enquanto que nos outros dias, atende as mesas.

Sei que eles gostam do que fazem, mas às vezes parece que precisam se concentrar no porquê se torturam tanto ou, do contrário, sairiam correndo e nunca mais voltariam ali. Por sorte os dois cursam gastronomia e pretendem abrir o próprio restaurante juntos. Se não fosse esse motivo, acho que já estariam bem longe daqui há muito tempo.

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