Capítulo 6

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6

Victor

03 de março de 2012

Sábado

Devo estar em estado de choque. Como ela pode estar a cinco anos de diferença de mim? Como ela pode estar em 2017 e falar comigo em tempo real, se vivo em 2012? Ela está brincando comigo, só pode ser. Não existe outra explicação. E se não for nenhuma brincadeira? Seria ótimo se fosse, assim eu poderia entender melhor o que se passa entre nós.

Ou será que o raio que quase me atingiu na calçada fez alguma alteração em meu notebook? Isso é loucura. Isso não existe. Juro por Deus que, se isso for alguma brincadeira de mau gosto do Igor, nunca mais eu falo com ele, muito menos com sua irmã.

Nunca mais.

Mesmo.

Suspiro e encosto na cadeira, colocando as mãos na nuca. Balanço de um lado para o outro, pensando na possibilidade de estarmos vivendo algo surreal. Mas sei que não é. Soube que era verdade, quando vi o brilho nos olhos de Ayslin ao falar da morte dos seus pais e do seu irmão. Ela nunca brincaria com uma coisa dessas. Mesmo porque ela parece gostar muito de Igor. Ouvi-la dizer que dia dezesseis vai fazer cinco anos, foi a pior coisa para mim. Eu tinha esperança que ela dissesse que era brincadeira, que Igor armou para mim, em vez de conseguir acreditar na verdade desse absurdo que estamos vivendo juntos.

Minha vó está abrindo a porta, quando viro a cadeira para ficar de frente. Ela entra sorrindo, como se fosse me dar a melhor notícia do mundo. Não estou surpreso por ela não bater na porta antes de entrar. Desde que meus pais foram morar na Espanha, estou tentando me adaptar a rotina da minha avó. E já sei que bater na porta não é um costume que ela vai acatar.

— Victor? — Ela estica a mão para mim. — Telefone. É a sua mãe.

Pego o aparelho de sua mão.

— Obrigado, vó. — Espero ela sair do quarto. — Oi, mãe.

No mesmo instante reconheço o suspiro que vem do outro lado do mundo. Sei que minha mãe sofre muito com a distância entre nós, tanto quanto eu sofro. Precisei argumentar sobre o fato da minha avó cuidar bem de mim, para que ela pudesse ir para o outro oceano um pouco mais tranquila. Mas, na verdade, eu queria muito ter ido com eles. Não queria ter me distanciado dos meus pais, ainda mais por ter que enfrentar tanta novidade sozinho. Cidade nova, colégio novo, amizades diferentes. Aqui, no Ipiranga, foi difícil a minha adaptação — e olha que eu tive o Igor para me ajudar —, longe deles, foi mais difícil ainda.

— Oi, meu filho. Que saudades! Como você está?

Não é um cumprimento desesperado que eu queria ouvir. Preciso que ela passe a impressão de que está feliz com meu pai, já que foi obrigada a participar dessa mudança brusca de vida para que eu pudesse continuar a estudar em um Colégio particular. Eu prefiro acreditar que minha mãe não chora todas as noites por estar com saudades de mim e da minha avó, ou mesmo que ela não esteja morrendo de preocupação por causa da violência que existe em São Paulo e eu posso ser uma vítima a qualquer momento.

— Ótimo! Cheio de lição e trabalho de escola para fazer. — Digo da maneira mais espontânea possível para que ela acredite que eu estou bem, aqui no Brasil. Mas, no fundo, ela sabe que eu odeio estar longe deles. Meu pai nunca deveria ter entrado naquela sociedade para abrir um mercado com um homem viciado em jogo. Ele foi inocente demais em acreditar mais no amigo do que em si mesmo. Se tivesse escutado a mim e a minha mãe, estaria com sua loja de peças de carro. Estariam aqui no Brasil, perto de mim, com nossa família unida.

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