Capítulo 7

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7

Ayslin

04 de março de 2017

Sábado

Sábado ensolarado. Acordo com a cabeça doendo, a boca seca e um enjoo terrível, que me traz a sensação de uma ressaca insuportável, mesmo que eu não tenha bebido nada durante a sexta-feira. Aliás, nem me lembro qual foi a última vez que ingeri bebida alcoólica ao ponto de passar tão mal assim. Bia não gosta de beber e, muito menos, Marcelo. Então, eu sempre fico sem graça quando peço uma cerveja e ninguém me acompanha nas refeições que fazemos juntos. Assim, evito ao máximo esse tipo de hábito quando estamos reunidos. E, sozinha, não tem graça beber. Pelo menos para mim, não tem.

Fico deitada na cama, assistindo à luz leitosa do sol se projetando nas paredes do meu pequeno quarto, esperando que eu melhore um pouco mais. Uma faixa de sol aponta para cima, sobre o lustre em formato de flor. Então, penso em um filme que assisti há alguns anos, em que o personagem principal encontra o aparelho de radioamador de seu falecido pai. Ao colocar o aparelho para funcionar, o rapaz é contatado por seu pai que está em 1969, enquanto ele vive trinta anos a frente. Atônito, o filho resolve mudar o passado, avisando seu pai sobre o incidente que o matou. A questão é, aquilo tudo é ficção, mas eu pareço viver uma realidade bem parecida.

Isso me dá uma certa esperança. A ideia de que possa ter a chance de mudar o rumo da minha família, ou poder falar com eles mais uma vez, ou ainda mudar o destino da minha vida, faz eu me sentir bem melhor. Pois, se eles ainda estão vivos, pode haver uma maneira de evitar o assalto e mudar o rumo da minha história e da minha família.

Eu ainda procuro por respostas, ainda quero saber o porquê das coisas, mas parece que elas não estão ao meu favor. Quanto mais eu entro naquela história mais me afundo em perguntas sem nenhuma solução à vista.

Enquanto estou ali deitada, começo a tentar juntar as peças desse quebra cabeça gigante. Por que aquilo estaria acontecendo comigo? Por que entrei nessa história estranha sem nenhum motivo aparente? Na verdade, eu só queria ter uma vida normal. Queria poder ganhar a bolsa de estudos para mudar o rumo do meu futuro. Queria parar de pagar aluguel. Comprar meu carro, um usado mesmo, só para passear sem me preocupar com horário de condução, ou com condução cheia demais, ou com o cansaço e a vontade de chegar logo em casa. Mas isso tudo parece tão distante que fico imaginando que meu mundo possa se resumir apenas às coisas pequenas, como trabalhar em um restaurante que odeio pelo resto de minha vida. Sinto até um calafrio, ao pensar nessa possibilidade.

Então, uma sensação estranha me atinge e sinto que sou mais esperta que isso. Que sou capaz. Que nada nem ninguém pode me dominar. Que a mudança da minha vida depende só de mim. O tempo sempre vai continuar correndo, escoando e fluindo para todo o sempre. E as mudanças só acontecerão se eu acreditar que posso.

É aí que volto a achar que Victor está brincando comigo o tempo todo. Que ele pode estar fingindo que não sabe de nada, fingindo que vive há cinco anos, que é amigo do meu irmão. O que estou querendo dizer é: talvez eu possa ser mais esperta que ele. Talvez eu possa tirar dele algumas coisas que aconteceram em 2012 e ele não saiba, para poder desmascará-lo. Preciso pensar como arquitetar a melhor estratégia, e se Victor estiver brincando comigo, vai se arrepender de ter pensado nisso.

***

— Como você pode morar no Tatuapé há cinco anos e não conhecer o cinema do Shopping? — Bia parece quase ofendida.

Afasta-se de mim para olhar as opções dos filmes em cartaz na tela do seu celular, enquanto termino de me arrumar para irmos embora. Foi um sábado bem cansativo, com um movimento intenso no restaurante, e ainda, Pablo teve que cobrir a folga do Bruno na cozinha, o que sobrou para mim, ajudar a servir as mesas com a Bia. Não paramos nem um minuto desde que chegamos aqui e nem quero saber se ela vai tentar me convencer de que tenho que ir ao cinema com ela.

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