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No dia seguinte, acordo assustada e com os mesmos pesadelos de sempre, que tenho desde que eu era criança. Sinto um arrepio, quando o Márcio acorda preocupado. Ele passa suas mãos na minha costas nuas e sinto um arrepio, me encolho toda e ele imediatamente me vira para me olhar.

-Pérola? O que houve? Pérola! meu amor, sou eu o Márcio. 

Começo a chorar o assustando, ele se aproxima e me abraça, ele percebe que eu estou tremendo. Estou tendo um ataque de pânico, se isso realmente existir. Meu coração está acelerado, estou suando frio o que deixa o meu marido ainda mais preocupado.

-O que você sonhou para ficar assim, Pérola?

-Eu...Eu vi... Eu vi ele! - digo entre soluços e as lagrimas rolando no meu rosto.

-Você viu quem? 

-O homem que atacou a criança.

- O homem que te ataca no sonho?

concordo com a cabeço e o abraço mais forte.

-Quem é Pérola?

Sinto o olhar de Márcio fixo em mim. Como se fosse um leão, prestes a ir atrás de sua preza, ele está ficando nervoso.

-O Joaquim

-Que Joaquim? O seu padrasto?

Concordo com a cabeça. E começo a chorar ainda mais.

Eu deveria ter uns 5 anos de idade, sempre brincava de boneca na parte de trás da minha casa, que logo depois havia uma mata. Ali, eu ficava até a minha mãe voltar do trabalho, ela era professora na escolinha, que tinha a distancia bem longa da minha casa. Como ela ia a pé, demorava para chegar lá e também para voltar. Ela sempre chegava, quando a lua brilhava no céu. Eu estava brincando, quando o Joaquim veio por trás e começo a passar ás suas mãos no meu cabelo, eu tento sair mais ele me segura. Ele me faz beber um leite e eu dormir. Quando eu acordo, estou na minha cama e com minhas partes intimas dolorida. E sempre com o pouco de sangue, eu vou para a cozinha, andando com dificuldade e encontro a minha mãe fazendo o jantar. Ela me dá um beijo na testa e o Joaquim me manda ficar calada. E isso se repete todos os dias. 

Esse é o meu pesadelo matinal, mas eu nunca conseguia ver o rosto ou até o final, sempre acabava, quando ele se aproximava. Eu fui abusada na infância, como minha mãe não percebeu? Eu fui criada por um mostro. Sempre chorava muito quando ela ia trabalhar, nunca ficava sozinha com ele, depois de grande. Sempre me protegia, era por isso.

Marcio fica sem reação ao saber de tudo, ele dá graças a Deus que aquele desgraçado morreu, se não ele mesmo iria mata-lo ou pelo menos lhe dar uma surra, como pode, violentar uma criança, tão pequena e indefesa? Como ninguém percebeu? Por que ninguém me ajudou? Como? Será que ele fez isso com outras pessoas? Que bom que ele me vendeu, e eu conseguir um marido tão bom... Márcio está transtornado e ele anda de um lado para o outro no nosso quarto. Não sabia, que o tratamento que comecei a fazer a 6 meses, me faria lembrar de um passado tão dolorido. Um passado que minha mente e o meu corpo nunca me deixou esquecer. Minha vida nunca foi fácil, nunca pensei que desde pequena, eu sofria tanto assim. Minha vida foi totalmente uma mentira! O que eu tenho de verdade em mim? Eu estou com nojo do meu corpo, não quero que ninguém nunca mais me toque. Nunca pensei que a verdade, a verdade dói, mas ela é necessária. 


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***

-Pérola! Deixa eu ficar com você! Por favor - Márcio implora.

-Eu quero ficar sozinha, por favor.

-Eu te amo, por favor, não quero te deixar sozinha. Prometo não te tocar, não falar com você.

-Não, eu quero ficar sozinha.

Ele pede mais algumas vezes, mas ela está decidida. Ele então, junta às suas coisas e vai para um hotel, perto da onde ele trabalha. 

***

Finalmente eu estou sozinha, o solidão, o meu pensar comigo mesmo. Me sinto culpada, me sinto usada, um lixo... Eu não mereço viver, eu não sei para quer eu nasci. Fui abandonada por tudo e por todos, eu cresci em uma mentira, nunca tive família, nunca me sentir amada, só pelo Márcio, ele me ama, ou eu acho que isso que ele sente por mim... eu acho que é amor. Ele sempre me apoia em tudo e sempre me respeita, isso talvez seja um companheiro, talvez Deus me tenha dado ele, para me recompensar por tudo que eu já passei. Mas, ser vendida, como se eu fosse um objeto, isso não ajuda muito.  Me olho no espelho e eu não me reconheço, meus olhos vermelhos de tanto chorar, quem sou eu? Esse corpo, esse cabelo, para que? O Márcio merece algo melhor, ele precisa de alguém que seja o seu verdadeiro amor, que queira ser mãe, que lhe dê filhos, que o faça feliz. 

Eu me sento na cadeira de madeira, me enrolado em um lençol e tento respirar com calma. Pego um copo, e coloco um pouco de vinho e o bebo, me levanto da cedeira e vou até a estante de Márcio e pego uma caneta, logo em seguida, pego um bloco de folhas em branco e começo a escrever uma carta de despedida para ele, o meu único porque, de viver. Quero o deixar livre. Quero que ele viva. Ninguém nunca me ajudou, ninguém nunca se importou comigo. Agora, já estou decidida, se alguém vier até a mim, já será tarde demais. Coloco ás folhas e também a caneta encima da mesa de vidro e pego uma caixa com as nossas fotos, olho cada uma com saudades, me despedindo de cada momento que passamos juntos. De cada palavra, de cada carinho, de cada lembrança, de cada viagem... Fico ali por horas e horas... Já não sinto mais o meu corpo, me sento na cadeira e escrevo, olhando às nossas fotos. 

Querido Márcio, 

Meu amor por você sempre foi o mais puro e verdadeiro, cada momento que vivenciei com você me fez ser e ter a maior felicidade do mundo. Lembro, do primeiro dia que eu te vi, seus olhos verdes, seus cabelos cacheado, o seu cheiro e principalmente o seu jeito de ser. Amo cada parte do seu corpo, amo tudo que você faz e diz, você me fez a mulher mais feliz do mundo ao seu lado... nossas viagens, nossas conversas, nós fazendo a nossa comida, nossos planos, nossas noites de amor, tardes, manhas e madrugadas! Foram únicos e especiais. E até mesmo as nossas brigas e nossas reconciliações. Amo cada momento ao seu lado, eu amo você. Mas, o meu passado, veio atona, o que meu deixava com medo, o que me fazia chorar, veio a tona! E vi, que eu não consigo viver a minha vida, com esse meu passado. Não consigo mais me sentir amada, desejada e amada por alguém. Você merece mais do que isso! Quero, meu amor, que você siga a sua vida, e com o tempo o que vivemos será somente uma lembrança. Você irá encontrar alguém que te faça ainda mais feliz e você vai construir com ela, um futuro que tanto você deseja. Te amo para sempre. Obrigada por me salvar.

Adeus, Pérola. 

São Paulo - SP, Brasil - 1 de dezembro de 1995.

Dobro a folha e a beijo. Com lágrimas nos olhos a coloco em cima da mesa, com o nome dele na frente. 

Pego a cartela de remédio, e pego um copo na cozinha, transando pela bebedeira, tira cado comprimido, o equivalente a encher a minha mão. O copo já quase transbordando, fecho a torneira e coloco um pouco dos remédios na boca, os engulo com o auxilio da água e depois, coloco o restante e faço o mesmo. Coloco o copo encima da pia e vou atá a cama. Coloca a blusa de Márcio e uma calcinha.  Já tonta, deito na cama e tudo fica escuro, já não vejo e já não ouço mais nada.


Nota da autora: Dê a estrela e comente. Se estiver gostando. 

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