VINTE E OITO

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Nada na vida é concreto. Os dias são como ondas. Tempestades e maresias. Um dia a calmaria. No outro, a tormenta.

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Abria e fechava os olhos, piscando mais vezes do que o normal. Aquele cara parado bem à minha frente era meu melhor amigo. A pessoa que deveria me compreender, apoiar, e estar ao meu lado quando precisasse. Mas parece que tudo isso foi simplesmente ignorado agora. Esquecido. Este cara sem camisa, e com um semblante de quem acabou de acordar, parecia outra pessoa. Não era, nem de longe, aquele que conhecia como Hugo Kanemann.

“Bom dia Gabs! Como vai?” Hugo sorriu, mostrando todos os dentes brancos para Johann e eu. Seria um clone?

“O que...está fazendo...aqui???” Finalmente consegui formular a pergunta que não queria calar.

Nesse meio tempo, a figura loira surgiu por trás de meu amigo, abraçando-o. Mas que audácia!

“O que acha que aconteceu foi o que realmente aconteceu. Dormi aqui.” Me disse com toda a naturalidade do mundo.

“Eu até convidaria vocês para entrarem, mas estamos atrasados para nosso almoço, não é benzinho?” Simone já tinha uma voz insuportável, mas agora ela conseguiu se superar. A forma manhosa com que conversava com Hugo era totalmente irritante. Mas parece que somente eu pensava dessa maneira.

“Então...estão juntos? É isso?” Johann perguntou, muito surpreso e contrariado, assim como eu. Afinal de contas, até ontem Simone e Hugo eram dois estranhos um para o outro.

“Sim, estamos juntos. Por acaso isso te incomoda ruivo?” Oficialmente Simone era a pessoa mais cara de pau que conhecia. Ao responder Johann, não tirava aquele sorriso sacana do rosto, nem as mãos do peitoral de Hugo.

A verdade é que o fato me pegou de surpresa. Não imaginava que Hugo gostasse desse tipo de garota. Meu amigo sempre soube como Simone é, devido a toda a informação que lhe dava a seu respeito. Só que agora, olhando esses sorrisinhos que ambos davam um para o outro, as coisas não pareciam certas.

Não me levem a mal, não é ciúmes. Longe disso. O sentimento que definiria o momento é mágoa.

“Escutem bem casalzinho. Tenho três coisas a falar. Primeira: Simone querida, só quem pode chamar Johann de ruivo sou eu. Segunda: Hugo meu amigo, só tenho uma palavra para você: decepção. E terceiro: Johann e eu tínhamos coisas a esclarecer com você Simone, mas agora depois dessa surpresa desagradável, nem vale mais a pena. Vocês me dão pena…” A raiva misturada com o sentimento da traição falaram por mim, e em seguida bati em retirada, sendo seguida por Johann. Não queria ouvir mais nada. Mais nenhuma mentira. Nenhum teatro. Nenhuma farsa.

“Gabriela espera!” Gritou o ruivo, que tentava me acalmar, sem sucesso.

Quando conseguiu me alcançar, já havia entrado novamente em meu apartamento. A raiva fez com que as lágrimas descessem sem que pudesse impedir. Estava enxugando o rosto quando senti suas mãos em meus braços, segurando-me para que o ouvisse.

"Você não acha que está exagerando no drama? Não era o que queríamos? Que eles nos deixassem em paz? Pois então, agora estarão muito ocupados para sequer pensarem em nos atingir." Brilhante dedução Sherlok.

"Você que não está entendendo nada ruivo! A questão toda não é essa!" Passei as mãos por meu rosto, em total frustração.

"E o que é então? Me explica Gabriela! Porque para mim parece puro ciúmes!" Quando Johann proferiu aquelas palavras, apenas o encarei em silêncio. Suspirei, tentado encontrar as palavras certas para convencê-lo do contrário.

"Como pode dizer uma coisa dessas? Não estou com ciúmes! Longe disso. Estou realmente decepcionada com ele. De todas as garotas Hugo tinha que escolher justo a Simone? Depois de tudo o que passei por causa dela? Isso tudo está muito estranho. Aquele não parece o meu amigo. Alguma coisa não está certa Johann!" Derramei todos os meus questionamentos em cima do ruivo, que ouvia atentamente com a expressão séria.

"Não posso dizer que não fiquei surpreso ao ver o seu amigo no apartamento da Simone, mas isso também não era uma coisa impossível de acontecer. Afinal ele é um cara, e ela uma garota. É até bem natural que dormissem juntos..." Johann explicava sua visão do ocorrido, e por mais que me doesse aceitar, ele podia estar certo.

"Eu sei! Mas mesmo assim...para mim era inimaginável pensar que Hugo fosse se interessar por aquela loira azeda... Sei que é sua irmã, mas não consigo evitar a repulsa que ela me causa. Ainda mais agora..." Sabia que ainda desciam algumas lágrimas involuntárias por meu rosto, mas felizmente parece que Johann finalmente entendeu o meu lado.

Chegou mais perto, enxugando minhas lágrimas com suas mãos, acariciando meu rosto. Seu olhar tocou meu coração naquele momento de uma forma única. Como conseguia acalmar meus nervos somente com sua presença?

"Não chore mais...me sinto impotente quando não posso evitar seu sofrimento. Há algo que possa fazer por você agora, para que se sinta melhor?" Seu pedido sincero transparecia em seus olhos castanhos.

"Me abraça...fica comigo hoje...não me deixe..." As palavras saíram embargadas e entrecortadas, mas foram ouvidas. Logo que seus braços envolveram meu corpo, fechei os olhos e me encaixei em seu peito, respirando descompassadamente.

Johann fazia carinho em meus cabelos, e embalava-me em um ritmo lento. Sua pele quente entrou em contato com a minha assim que senti seus dedos alisando minha face.

"Nem que quisesse poderia te deixar agora...simplesmente não consigo. Preciso de você Gabriela..." Abri os olhos, fitando os dele, que me encaravam de volta.

"Você me supreende cada vez mais...em um sentido maravilhoso e único...como isso é possível?" Arranquei um sorriso dele com essa pergunta. Já disse o quanto amo o sorriso de Johann?

"Esta é uma resposta que não tenho para lhe dar. A única coisa a qual tenho resposta certa são meus sentimentos por você..." Sua voz havia se transformado em algo manhoso, e ao mesmo tempo sexy demais para a minha sanidade.

"O que está fazendo comigo ruivo?" Precisava entender como Johann conseguia ter esse poder sobre mim.

"Como assim? Estou te dando o maior apoio moral! O melhor do melhor do mundo. E saiba que não faço isso para qualquer um não..." Agora céu tom era brincalhão e divertido. Estava adorando conhecer todos os lados do ruivo.

"Ah é mesmo? Conte mais..." Esta conversa está ficando cada vez mais interessante.

"Esse tipo de tratamento especial..." Disse, segurando meu rosto a milímetros do seu, olhando-me intensamente, fazendo com que a única coisa que me importasse agora era saber a resposta. "Somente recebe quem eu amo..." Johann continuava sério. Mas escutei perfeitamente tudo o que disse. Cada palavra, sílaba e letra.

"Você...me ama?" Meu coração parou. Simplesmente ao ouvir a voz do ruivo proferindo as três palavras mágicas.

A garota dos fones de ouvidoOnde histórias criam vida. Descubra agora