Escuridao

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O silencio aqui é perturbador, a minha respiração descoordenada é o máximo que posso ouvir. Estou apavorado, meus olhos estão abertos, mas não há nada que eu possa ver, tudo é escuro demais. As paredes são feitas de vidro, minha mão dói, tentei quebra-las aos socos, não funcionou. Me encolhi em um canto qualquer, o máximo que posso fazer agora é esperar. Esperar por socorro, por compaixão, ou pelo inimaginável propósito de eu estar aqui. Não adiantou gritar, minha garganta está irritada depois de todos os berros que já dei. Ninguém me ouviu. Tento não chorar, preciso manter a calma, meu coração está disparado e eu não consigo pensar direito, não faço ideia do que fazer. Não sei como cheguei aqui, quem me trouxe e nem como me raptou. A ultima coisa que me lembro é do Algusto's, uma cafeteria próxima a casa de uma amiga onde eu estava hospedado antes de... Bem, tudo isso.

Mês passado eu estava tomando sorvete sentado no sofá e assistindo um ótimo filme de comédia acompanhado pelo meu fiel companheiro Tom, um filhote de pastor alemão, que dormia sobre os meus pés. Ele havia tido um dia agitado, cheguei do trabalho e tudo estava uma bagunça, por um segundo pensei ser uma péssima ideia ter adotado um cãozinho, mas não me apeguei a tal sentimento. O telefone tocou e eu precisei acordar o Tom para poder atender, ele pareceu não se importar e voltou a dormir em segundos.

-- Alo! - Não me dei nem ao trabalho de verificar quem era no identificador, apenas atendi.

-- Kevin... - Disse aquela voz conhecida. - Tenho um convite pra te fazer.

Sorri ao notar a empolgação na voz de Lorena.

-- Desde que não envolva jacarés e sucuris, eu aceito. - Brinquei relembrando nossa ultima viagem um ano antes, aonde visitamos o pantanal mato-grossense. Sempre fui muito medroso e naquela viagem Lorena me obrigou a lidar com animais considerados por mim terríveis.

-- Sem perigo de morte desta vez. - Ela riu. - Como você sabe, eu e o Diogo estávamos pensando na data do casamento e chegamos a conclusão de que o quanto antes casarmos melhor.

Havia três meses que ele a pediu em casamento e eu estava esperando ansioso para saber a data em que se realizaria.

-- Vá comprar agora mesmo a sua passagem. - Ela disse sorridente. - O casamento é no próximo mês.

-- O que? - sobressaltei-me. - Como assim, Já?

-- Não queremos adiar mais. Você sabe, estamos juntos a algum tempo, então...

-- Eu entendo, só... Fiquei surpreso com a velocidade de tudo isso.

-- Eu queria que você viesse antes dos outros, preciso de você aqui comigo.

Sorri instantaneamente, sempre fomos muito próximos e eu já imaginava que ela iria me querer por perto pra apaziguar o nervosismo eminente.

-- Tudo bem. -- Falei animado. - Estarei chegando aí ainda neste final de semana.

O casamento de Lorena e Diogo será em três dias e aqui estou eu, aprisionado no escuro. A esta altura eu lembro sobre o casamento, estou preocupado e amedrontado demais para pensar nisso.

O vidro era resistente, foi preparado para suportar impactos fortes. Eu pude senti-lo vibrar a cada soco dado, mas ele não cedeu. Me levantei. Eu precisava ter uma noção melhor sobre aonde eu estava, afinal até o momento o máximo que eu fiz foi gritar e me machucar. Eu deveria saber se é uma caixa quadrada, retangular, triangular, se alguma das paredes possa ser mais frágil do que as outras e se há alguma coisa a mais para eu me preocupar.

Segui rente a parede a passos cuidadosos e cheguei a conclusão de que eram quatro, aquela que eu tentei quebrar vibrava com maior intensidade do que as outras três, o que me deixava em duvida sobre se eram todas de vidro mesmo. me afastei da parede para tentar atravessar a sala, de talvez uns três ou quatro metros quadrados, pelo meio dela. Dei passos cuidadosos tentando chegar ao outro lado. Esbarrei em alguma coisa e me assustei.

-- Droga!

Procurei o objeto com as mãos e toquei em algo metálico e gelado. Pelas formas que pude sentir com os dedos parecia uma cadeira, posta propositalmente no centro da sala. Andei mais alguns passos e cheguei ao outro lado ileso. Isso me deixava um pouco mais aliviado. Não parecia haver nada perigoso preso comigo, o que me causava ainda mais duvidas sobre os motivos de eu estar ali. No chão não havia espaçamentos de cerâmica, parecia ser piso reto e liso como vidro. Encostei as costas na parede e deslizei até o chão, a esta altura eu já duvidava se realmente aquilo estava acontecendo. Quem sabe não fosse apenas um sonho e a qualquer momento eu iria acordar na minha cama e ficaria tudo bem.

Lembro de quando cheguei a cidadezinha aonde se realizaria o evento. Era uma cidade pequena e pacata do interior, aonde os pais do Diogo se casaram e onde seus avós até hoje residem. Foram uma hora de viagem de avião e mais quarenta minutos de taxi até ali. Lorena me esperava na porta de casa. Alegre como sempre ela me abraçou e rapidamente me levou para dentro. Lorena é uma mulher linda e elegante. Seus cabelos lisos sempre soltos e castanhos caem até o meio das costas, em um corte folha perfeito. Ela é clara e seus olhos âmbar são encantadores. Naquele dia ela vestia uma blusa branca e uma saia marrom que chegava a cobrir os saltos pretos.

Sua felicidade com a minha presença ali era quase palpável. Ela se quer me deixava concluir uma frase enquanto contava euforicamente tudo sobre os preparativos do casamento.

A noite saímos para jantar em um restaurante italiano, que ela escolheu. Diogo, sempre muito educado, falava sobre os planos futuros enquanto estávamos sentados ao redor da mesa. Ele era um rapaz alto e de porte físico musculoso. Eu o conhecia a pouco tempo, mas sabia que ele gostava de cuidar muito bem da aparência. A pele negra destacava os olhos verdes que ele tinha. Lembro-me de todas as vezes em que Lorena me dizia se sentir insegura quanto ao relacionamento dos dois por achar ele bonito demais para ela. O que eu, particularmente, discordo plenamente. Ambos são lindos e formam um belo casal.

Naquela noite conversamos sobre muitas coisas, obviamente sobre o casamento e sobre a ideia de eu ser o padrinho dela, convite este que eu aceitei sem pensar duas vezes.

Agora a única coisa que eu ouvia era a minha própria respiração que se acalmou um pouco nos últimos minutos, diferente do meu coração que continuava a pulsar como se quisesse explodir. Eu tinha que manter a calma. Seja lá quem fosse a pessoa que me levou ali, mais cedo ou mais tarde iria retornar e eu deveria estar preparado para qualquer coisa.

Respirei fundo e então ouvi três batidas no vidro. isso me tirou do estado de calmaria e me agitou novamente.

-- Você está mais calmo agora? - Uma voz masculina soou na escuridão.

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